A VEZ DAS MASSAS


A VEZ DAS MASSAS

(As massas que elegeram Bolsonaro)

 

O conceito de “massa”, na Sociologia, pode apresentar algumas conotações diferentes conforme o sociólogo ou corrente a que ele pertence.

Aqui, vamos usar no sentido de grupo humano que se mobiliza em torno de alguns líderes, sem constituir uma organização social articulada. É diferente, portanto, de partidos políticos ou sindicatos, por exemplo. Hannah Arendt define assim:

As massas não se unem pela consciência de um interesse comum e falta-lhes aquela específica articulação de classes que se expressa em objetivos determinados, limitados e atingíveis. O termo massa só se aplica quando lidamos com pessoas que, simplesmente devido ao seu número, ou à sua indiferença, ou a uma mistura de ambos, não se podem integrar numa organização baseada no interesse comum, seja partido político, organização profissional ou sindicato de trabalhadores (ARENDT, HANNAH. Origens do totalitarismo, antissemitismo, imperialismo, totalitarismo. Tradução de Roberto Raposo. 1ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2012, p.431s).

Sua identidade é, portanto, fluida. Poderíamos dizer que é uma parcela da população que não se enquadra nas organizações sociais ou políticas existentes. De modo geral, permanecem alheias aos debates políticos, costumam dizer coisas do tipo: “é tudo a mesma coisa”; “não dá pra confiar em ninguém”; “os políticos são todos farinha do mesmo saco”.

Harendt encerra a definição acima dizendo:

Potencialmente, as massas existem em qualquer país e constituem a maioria das pessoas neutras e politicamente indiferentes, que nunca se filiam a um partido e raramente exercem o poder de voto (p. 431 s.).

Quando ela diz que “raramente exercem o poder de voto”, está se referindo a países onde o voto não é obrigatório. No Brasil, com voto obrigatório, essas pessoas tendem a anular o voto ou a votar em branco ou, eventualmente, votar em alguém conhecido, mas que não implica em nenhuma preocupação de ordem política ou social.

Esse fenômeno não é novo. Algo semelhante aconteceu na Alemanha nazista, por exemplo, em que as massas, insatisfeitas com as organizações convencionais, passaram a constituir a base de apoio ao nazismo. Essas massas não têm um projeto claro sobre o que desejam mudar ou realizar; apenas passam a descrer do sistema vigente e querem mudar tudo. Como não têm projeto, depositam sua confiança em alguém que considerem que representa a mudança radical que querem realizar. No caso da Alemanha, em Hitler. Na Itália, em Mussolini.

Essa parcela da população costuma permanecer inoperante e pouco influente por muito tempo. Entretanto, em determinados momentos, ela pode ver em determinada pessoa alguém “que a representa”, que “diz o que ela pensa’, que “fala a linguagem dela”. Então começa a ver esses líderes como salvadores, como os sujeitos que vão consertar tudo.

Esses líderes, na verdade, costumam ser pessoas limitadas intelectualmente e sem habilidades políticas adequadas, mas isso não é importante, pois eles se comportam, em grande parte, empurrados pelas massas que os apoiam, como senhores da verdade, como aqueles que vão salvar o país, que vão levar a nação à grandeza, embora não seja muito claro o que significam essa salvação e essa grandeza. Os exemplos de líderes que citamos acima são típicos dessa caracterização.

O problema é que essas massas e seus líderes pendem sempre para o autoritarismo, pois acham que só dando plenos poderes aos líderes é que as coisas vão poder mudar de verdade.

O que acontece é que essas massas, antes alheias, começam a se interessar por política, mas não conseguem ver a política como diálogo, como negociação e como busca de consenso, mas como imposição de ordem: Os movimentos totalitários são possíveis onde quer que existam massas que, por um motivo ou outro, desenvolveram certo gosto pela organização política (p. 431, negrito meu).

A ditadura militar no Brasil não funcionava desse jeito, ou seja, não dependia das massas. Essa ditadura foi implantada a partir de ações conscientes de instituições como a Igreja, as entidades patronais (federações da Indústria, do Comércio e do setor financeiro, sobretudo), além, evidentemente, do apoio norte-americano. O regime militar justificava seu autoritarismo apenas com o discurso da “ordem” no sentido de acabar com a “ameaça comunista”, e de garantir a dependência do país em relação ao capitalismo internacional. Entretanto, ficou no imaginário de muitas pessoas que, durante o regime militar, havia segurança pública, havia mais honestidade na política e coisas desse tipo.

Essa mitologia que se instalou na cabeça de muitas pessoas contribuiu para que as massas brasileiras achassem que um líder militar salvaria o Brasil da “ameaça” esquerdista/comunista (outro mito que a extrema direita gosta de manter vivo).

Enfim, quando os meios de comunicação, representando os interesses do Mercado (capitalistas em geral) começaram a jogar mais pesado e a tentar derrubar o Partido do Trabalhadores (como já abordei no texto Por que estamos onde estamos?), as massas antes indiferentes às questões políticas começaram a se interessar por política, embarcando no discurso (pseudo)moralista desses meios de comunicação.

No meio dessa “indignação cívica” (?), surgiu um personagem que era deputado há quase trinta anos sem nunca ter apresentado qualquer proposta ou projeto de valor, ligado ao grupo do Presidente da Câmara Eduardo Cunha (hoje preso por corrupção) conhecido apenas por suas frases desrespeitosas ou grosseiras sobre mulheres, homossexuais e negros, que concentrou em sua pessoa aquilo que havia no imaginário das massas: um militar, um indivíduo franco, que fala em linguagem direta tudo o que pensa. Além do mais, ele centrou sua campanha na construção de uma imagem de militar sério e honesto, ia a quartéis, fazia (fingia) exercícios com os soldados, defendeu posturas radicais de matar bandido e de isentar policiais de crimes. Enfim, encaixou-se bem na imagem do herói salvador da pátria, desempenhando o papel de “valentão” que não tem medo de ninguém, que enfrenta os poderosos (atacando os maiores veículos de comunicação), além estimular uma teoria da conspiração de que as eleições seriam fraudadas para derrotá-lo. Essa encenação encantou as massas desarticuladas, sem conhecimento sério do passado político desse candidato e, na verdade, sem nenhum conhecimento de política.

Ao mesmo tempo, muitos políticos e coordenadores de movimentos de direita começaram a aderir a Bolsonaro, alguns por oportunismo, como sempre acontece no mundo da política.

Assim, essa candidatura de um homem que não tinha nenhum projeto sério conseguiu impor-se como a mais forte e acabou ganhando a eleição.

Postos esses esclarecimentos, vamos tentar visualizar os tipos de massas que possibilitaram a vitória de Bolsonaro. Embora as massas sejam naturalmente amorfas, gelatinosas e instáveis, creio que podemos falar em “tipos” no sentido de estabelecer algumas distinções, considerando sua origem e algumas características específicas dos segmentos que compõem essa massa.

Creio que, de maneira mais simples, pode-se falar em três tipos de segmentos.

Há um segmento sem projeto que ressurge de vez em quando em algum país, como na Alemanha de Hitler, que quer derrubar tudo que parece “sistema”. No Brasil, identificaram o sistema com o PT, atribuindo ao PT toda a corrupção existente e todos os males e crises pelo qual o Brasil passava. Para simplificar, vamos chamá-los simplesmente de ANTIPETISTAS, o que parece apropriado, considerando que, apesar de suas enormes e muitas diferenças, essa era a bandeira que os unia.

Por outro lado, temos um segmento religioso (sobretudo evangélico, mas também católicos, espíritas, umbandistas) que segue a voz seus pastores ou padres fundamentalistas, com um agressivo discurso moralista. Podemos chamá-los de MORALISTAS RELIGIOSOS.

O terceiro segmento é composto por pessoas que carregam em si uma espécie de fúria e rancor generalizado contra tudo aquilo que pensam que não os valorizou, contra o “sistema” que não reconhece sua importância. Demonstram, quando reunidos em manifestações ou passeatas, sua raiva contra pessoas e instituições. Assim, vimos manifestações furiosas contra o Congresso Nacional, contra o Supremo Tribunal Federal e também contra membros desses poderes. Pior que isso: vimos passeatas de manifestantes bolsonários que berravam contra os moradores de prédios (comuns, de classe média) ameaças de agressão fazendo gestos imitando metralhadoras. Na verdade, isso é uma demonstração desse espírito de agressividade que domina esse segmento. Podemos chamá-los OS INSATISFEITOS, por falta de um nome melhor.

Certamente, o sentimento de pertença a um grupo lhes dá a sensação de estar “fazendo parte” e de estar fazendo alguma coisa importante. Na verdade, citando mais uma vez Arendt: “A consciência da desimportância e da dispensabilidade deixava de ser a expressão da frustração individual tornava-se um fenômeno de massa” (p. 446).

Evidentemente, essa divisão é relativamente arbitrária, pois as características se cruzam. O que todos têm em comum é um antipetismo radical, atribuindo toda corrupção e todos os males do Brasil ao PT, pois adotaram o discurso de meios de comunicação como Globo, Veja etc. (interessados em alijar o PT do poder, a fim de retomarem o controle absoluto da pauta econômica, sobretudo as privatizações). Além disso, compartilham uma pauta de cunho moralista combatendo os movimentos homossexuais, os movimentos feministas e os movimentos antirracistas, incluindo a crítica aos direitos humanos.

Vamos dar uma olhada nesses segmentos.

O SEGMENTO ANTIPETISTA é basicamente formado por pessoas de classe média (servidores públicos com salários mais altos, principalmente do Judiciário e Legislativo, profissionais liberais, donas de casa de classe média, profissionais de áreas técnicas mais bem remunerados) e, na esteira desses, alguns trabalhadores mais simples. Essas pessoas já haviam demonstrado em algumas ocasiões insatisfação com o fato de que, a partir do governo Lula, uma parcela mais pobre estava tendo acesso a coisas que antes eram só elas, como viajar de avião, por exemplo. Houve até um início de movimento de mulheres de classe média em São Paulo que pretendia combater o PT, preocupadas principalmente com essa “promiscuidade”, embora usassem a retórica da moralidade, evidentemente. Nesse segmento, também predomina a crítica aos sistemas de cotas, bem como aos projetos sociais, chegando mesmo a vê-los como táticas comunistas-socialistas (o que mostra que não têm a menor ideia do que seja comunismo ou socialismo)

Quando os grandes meios de comunicação, articulados com setores do Judiciário a serviço dos interesses do Mercado, conseguiram emplacar a ideia de que o PT era corrupto, os membros desse segmento encontraram um motivo “socialmente válido” para justificar sua oposição ao PT. Então, entraram de corpo e alma nas manifestações anticorrupção, participaram dos panelaços e, por fim, votaram em Bolsonaro com a explicação de que era a única forma de retirar o PT do poder. Assim, tranquilizavam suas consciências sobre esse voto em alguém que, além de não ter aquele “jeitinho bem comportado” dos políticos do PSDB, tinha um discurso moralista que não era o deles, já que a classe média era naturalmente a favor da liberdade de gêneros e do aborto, bem como não endossava o discurso racista de Bolsonaro (embora grande parte dela seja “racista à brasileira”, como se diz).

O SEGMENTO MORALISTA-RELIGIOSO é majoritariamente evangélico, principalmente das denominações que seguem a linha da teologia da prosperidade, como Igreja Universal do Reino de Deus, da Assembleia de Deus Vitória em Cristo e similares. Na verdade, a grande maioria dos evangélicos pode ser classificada neste segmento. Como já disse, outros grupos religiosos também podem ser incluídos aqui, mas neles há mais diversidade e divergência quanto a essas questões. Acontece que, nas denominações evangélicas, há uma coesão muito forte, de modo que seguem com mais fidelidade as orientações de seus pastores. Esses, por sua vez, para garantir sua autoridade, utilizam textos bíblicos, interpretando-os de forma literal, entendendo cada detalhe como um mandamento oriundo diretamente de Deus. (Bem, não vamos entrar aqui na discussão teológica sobre a questão da compreensão da Bíblia como Palavra de Deus). Só queremos destacar que, com essa argumentação, os pastores dessas igrejas controlam o comportamento e a ideologia de seus membros.

Do ponto de vista moral (não entrarei nos possíveis interesses financeiros), os principais temas que interessam a esse segmento são a questão da sexualidade e do aborto e, em decorrência, o formato da família e o papel da mulher.

A mudança nos costumes que ocorreram nas últimas décadas quanto à sexualidade, à liberdade da mulher, ao surgimento de novas formas de família e que, foram, progressivamente se legalizando, começou a incomodar a essas pessoas, pois viam nisso uma clara afronta à vontade de Deus expressa nas Sagradas Escrituras, que condenam o homossexualismo, que falam da submissão da mulher ao homem etc. Entrando na onda dos propagandistas de direita, atribuíram essa “decadência” à esquerda. No caso do Brasil, isso significava PT (na verdade, ignoram que todos esses movimentos surgiram em países capitalistas, com ideologia capitalista; apenas, por uma extensão do conceito de esquerda é que esses movimentos passaram a ser considerados de esquerda).

Na verdade, há muitos anos, os evangélicos vinham investindo em ocupar espaços políticos, tendo, inclusive, construído uma bancada evangélica bastante forte. Quando chegaram as eleições, eles decidiram aderir a Bolsonaro que, embora católico, divorciado várias vezes e assumidamente promíscuo, criticava esses debates de gênero e assumiu o compromisso de ser contrário ao aborto. Assim, os pastores encamparam a campanha de Bolsonaro e passaram a induzir seus fiéis a votar nesse candidato. Nos ambientes católicos, alguns padres desempenharam o mesmo papel e, mesmo onde os padres ou bispos não apoiassem Bolsonaro, grande número de católicos votou nele pela mesma razão moralista dos evangélicos.

Esse segmento moralista-religioso talvez preferisse outro candidato mais “moralmente correto”, porém decidiram apostar neste que aparecia como o único capaz de acabar com a “ameaça” à moral e aos bons costumes que o PT representava para eles.

O SEGMENTO DOS INSATISFEITOS é o mais difícil de definir, pois não tem um elemento que possa caracterizá-lo como os anteriores. Na verdade, muitos membros dos grupos anteriores também compõem esse segmento cuja principal marca é uma insatisfação generalizada, comumente consistindo numa raiva reprimida contra o conjunto da sociedade. Pode ser um empresário descontente porque acha que o governo não faz nada por ele. Pode ser um servidor público efetivo ou comissionado que acha que é subvalorizado, que mereceria uma função melhor. Pode ser um policial que se sente injustiçado porque corre risco de vida para defender a população e ganha pouco, além de se sentir inseguro em razão das possíveis críticas da imprensa sempre falando de direitos humanos. Esses fatores, junto a outros, podem criar um tipo de raiva que explode quando essas pessoas sentem que há um clima ou alguém que pode dar cobertura a eles. Um caso bem típico e extremo pode ser esse: logo após a eleição do Bolsonaro, uma madame na fila do restaurante dizia em alto e bom som que “essa folga ia acabar”, referindo-se a uma senhora negra na sua frente.

Enfim, esses exemplos são só para ilustrar que podem ser “insatisfações”, “frustrações”, “rancores”, “ressentimentos” de diferentes tipos que, de algum modo, congregam essas pessoas em torno de alguém que, embora sem conteúdo, encarna essas emoções difusas. Aliás, nesses casos, o conteúdo não é importante, o que importa é essa sensação de ter encontrado alguém que expressa suas insatisfações genéricas. Esse segmento pode se tornar mais perigoso que os outros, pois tendem a ser mais instintivos e violentos em suas reações.

Todas essas massas têm em comum uma tendência a crer em teorias da conspiração. Sempre acham que há um complô internacional que é causa de todos os males. Assim como o nazismo se utilizou da grande farsa histórica que eram OS PROTOCOLOS DE SIÃO, que consistia num documento que dizia que os judeus tinham um plano para controlar o mundo inteiro, também no Brasil essas massas têm algumas teorias da conspiração próprias. O “comunismo”, evidentemente, continua assustando as pessoas, apesar de não haver nenhum país comunista com capacidade ou com interesse em expandir o “comunismo”. Citam com frequência Cuba e Venezuela, nossos vizinhos pobres e falidos. Citam também a China. O fato de a Covid-19 ter surgido na China se tornou um prato cheio para estimular as teorias da conspiração sobre a “ameaça comunista”. Entretanto, chamar a China de comunista nos dias de hoje é quase uma piada. Contudo, os membros dessas massas apenas repetem palavras de ordem que parecem justificar suas posições.

Além do comunismo, atualmente falam da ameaça que representam o “marxismo cultural” e o “globalismo”, vistos como duas grandes conspirações internacionais para dominar o mundo.

Na verdade, incentivar esses temores faz parte, desde sempre, da estratégia para manter as massas unidas e prontas para ações mais agressivas. Trata-se de inventar um inimigo para justificar o estado de guerra em que se quer manter a população.

Limitei este texto aos segmentos que caracterizo como “massa” e que constituíram o grosso do eleitorado do Bolsonaro. Contudo, é preciso não esquecer que sua eleição se tornou possível porque, ao mesmo tempo, grupos empresariais importantes deram seu apoio, alguns mais discretamente, outros mais explicitamente, como os empresários da agroindústria que o apoiaram incondicionalmente por seu compromisso de reduzir os controles ambientais.

Encerro esse artigo repetindo a frase de Hannah Arendt citada acima: “Os movimentos totalitários são possíveis onde quer que existam massas...”.

Manter vivo esse formato de massas num povo é importante para quem quer implantar um sistema autoritário. Por isso, precisamos promover uma educação capaz de fazer surgir cidadãos autênticos, que sejam bem informados e capazes de processar essas informações, de modo a ter um senso crítico pessoal – e não apenas aderir e repetir slogans ou palavras de ordem produzidos maciçamente, como vimos nas passeatas e redes sociais. O interessante é que essas pessoas se achavam muito politizadas e conscientes. Infelizmente, eram apenas manipuladas e massa de manobra dos senhores do Mercado para derrubar um governo que não atendia a todas as demandas do Mercado.

Criando cidadãos conscientes, iremos fortalecer as organizações da sociedade civil – associações, sindicatos, organizações não governamentais, instituições de apoio social etc. Porque é essa sociedade civil que garante a democracia. Afinal, democracia se constrói com diálogo, com intercâmbio de ideias e respeito às diferenças. Democracia também implica admitir que se pode estar errado e que se pode ser o lado vencido numa disputa. Democracia significa nunca querer impor suas ideias à força, mas através do convencimento. Democracia é, antes de tudo, o reconhecimento de que todos os cidadãos são dignos de respeito e merecem ser ouvidos.

A democracia é o único caminho para se construir um país com verdadeira igualdade, com espírito de fraternidade e, obviamente, com liberdade.

A VEZ DAS MASSAS

(As massas que elegeram Bolsonaro)

 

O conceito de “massa”, na Sociologia, pode apresentar algumas conotações diferentes conforme o sociólogo ou corrente a que ele pertence.

Aqui, vamos usar no sentido de grupo humano que se mobiliza em torno de alguns líderes, sem constituir uma organização social articulada. É diferente, portanto, de partidos políticos ou sindicatos, por exemplo. Hannah Arendt define assim:

As massas não se unem pela consciência de um interesse comum e falta-lhes aquela específica articulação de classes que se expressa em objetivos determinados, limitados e atingíveis. O termo massa só se aplica quando lidamos com pessoas que, simplesmente devido ao seu número, ou à sua indiferença, ou a uma mistura de ambos, não se podem integrar numa organização baseada no interesse comum, seja partido político, organização profissional ou sindicato de trabalhadores (ARENDT, HANNAH. Origens do totalitarismo, antissemitismo, imperialismo, totalitarismo. Tradução de Roberto Raposo. 1ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2012, p.431s).

Sua identidade é, portanto, fluida. Poderíamos dizer que é uma parcela da população que não se enquadra nas organizações sociais ou políticas existentes. De modo geral, permanecem alheias aos debates políticos, costumam dizer coisas do tipo: “é tudo a mesma coisa”; “não dá pra confiar em ninguém”; “os políticos são todos farinha do mesmo saco”.

Harendt encerra a definição acima dizendo:

Potencialmente, as massas existem em qualquer país e constituem a maioria das pessoas neutras e politicamente indiferentes, que nunca se filiam a um partido e raramente exercem o poder de voto (p. 431 s.).

Quando ela diz que “raramente exercem o poder de voto”, está se referindo a países onde o voto não é obrigatório. No Brasil, com voto obrigatório, essas pessoas tendem a anular o voto ou a votar em branco ou, eventualmente, votar em alguém conhecido, mas que não implica em nenhuma preocupação de ordem política ou social.

Esse fenômeno não é novo. Algo semelhante aconteceu na Alemanha nazista, por exemplo, em que as massas, insatisfeitas com as organizações convencionais, passaram a constituir a base de apoio ao nazismo. Essas massas não têm um projeto claro sobre o que desejam mudar ou realizar; apenas passam a descrer do sistema vigente e querem mudar tudo. Como não têm projeto, depositam sua confiança em alguém que considerem que representa a mudança radical que querem realizar. No caso da Alemanha, em Hitler. Na Itália, em Mussolini.

Essa parcela da população costuma permanecer inoperante e pouco influente por muito tempo. Entretanto, em determinados momentos, ela pode ver em determinada pessoa alguém “que a representa”, que “diz o que ela pensa’, que “fala a linguagem dela”. Então começa a ver esses líderes como salvadores, como os sujeitos que vão consertar tudo.

Esses líderes, na verdade, costumam ser pessoas limitadas intelectualmente e sem habilidades políticas adequadas, mas isso não é importante, pois eles se comportam, em grande parte, empurrados pelas massas que os apoiam, como senhores da verdade, como aqueles que vão salvar o país, que vão levar a nação à grandeza, embora não seja muito claro o que significam essa salvação e essa grandeza. Os exemplos de líderes que citamos acima são típicos dessa caracterização.

O problema é que essas massas e seus líderes pendem sempre para o autoritarismo, pois acham que só dando plenos poderes aos líderes é que as coisas vão poder mudar de verdade.

O que acontece é que essas massas, antes alheias, começam a se interessar por política, mas não conseguem ver a política como diálogo, como negociação e como busca de consenso, mas como imposição de ordem: Os movimentos totalitários são possíveis onde quer que existam massas que, por um motivo ou outro, desenvolveram certo gosto pela organização política (p. 431, negrito meu).

A ditadura militar no Brasil não funcionava desse jeito, ou seja, não dependia das massas. Essa ditadura foi implantada a partir de ações conscientes de instituições como a Igreja, as entidades patronais (federações da Indústria, do Comércio e do setor financeiro, sobretudo), além, evidentemente, do apoio norte-americano. O regime militar justificava seu autoritarismo apenas com o discurso da “ordem” no sentido de acabar com a “ameaça comunista”, e de garantir a dependência do país em relação ao capitalismo internacional. Entretanto, ficou no imaginário de muitas pessoas que, durante o regime militar, havia segurança pública, havia mais honestidade na política e coisas desse tipo.

Essa mitologia que se instalou na cabeça de muitas pessoas contribuiu para que as massas brasileiras achassem que um líder militar salvaria o Brasil da “ameaça” esquerdista/comunista (outro mito que a extrema direita gosta de manter vivo).

Enfim, quando os meios de comunicação, representando os interesses do Mercado (capitalistas em geral) começaram a jogar mais pesado e a tentar derrubar o Partido do Trabalhadores (como já abordei no texto Por que estamos onde estamos?), as massas antes indiferentes às questões políticas começaram a se interessar por política, embarcando no discurso (pseudo)moralista desses meios de comunicação.

No meio dessa “indignação cívica” (?), surgiu um personagem que era deputado há quase trinta anos sem nunca ter apresentado qualquer proposta ou projeto de valor, ligado ao grupo do Presidente da Câmara Eduardo Cunha (hoje preso por corrupção) conhecido apenas por suas frases desrespeitosas ou grosseiras sobre mulheres, homossexuais e negros, que concentrou em sua pessoa aquilo que havia no imaginário das massas: um militar, um indivíduo franco, que fala em linguagem direta tudo o que pensa. Além do mais, ele centrou sua campanha na construção de uma imagem de militar sério e honesto, ia a quartéis, fazia (fingia) exercícios com os soldados, defendeu posturas radicais de matar bandido e de isentar policiais de crimes. Enfim, encaixou-se bem na imagem do herói salvador da pátria, desempenhando o papel de “valentão” que não tem medo de ninguém, que enfrenta os poderosos (atacando os maiores veículos de comunicação), além estimular uma teoria da conspiração de que as eleições seriam fraudadas para derrotá-lo. Essa encenação encantou as massas desarticuladas, sem conhecimento sério do passado político desse candidato e, na verdade, sem nenhum conhecimento de política.

Ao mesmo tempo, muitos políticos e coordenadores de movimentos de direita começaram a aderir a Bolsonaro, alguns por oportunismo, como sempre acontece no mundo da política.

Assim, essa candidatura de um homem que não tinha nenhum projeto sério conseguiu impor-se como a mais forte e acabou ganhando a eleição.

Postos esses esclarecimentos, vamos tentar visualizar os tipos de massas que possibilitaram a vitória de Bolsonaro. Embora as massas sejam naturalmente amorfas, gelatinosas e instáveis, creio que podemos falar em “tipos” no sentido de estabelecer algumas distinções, considerando sua origem e algumas características específicas dos segmentos que compõem essa massa.

Creio que, de maneira mais simples, pode-se falar em três tipos de segmentos.

Há um segmento sem projeto que ressurge de vez em quando em algum país, como na Alemanha de Hitler, que quer derrubar tudo que parece “sistema”. No Brasil, identificaram o sistema com o PT, atribuindo ao PT toda a corrupção existente e todos os males e crises pelo qual o Brasil passava. Para simplificar, vamos chamá-los simplesmente de ANTIPETISTAS, o que parece apropriado, considerando que, apesar de suas enormes e muitas diferenças, essa era a bandeira que os unia.

Por outro lado, temos um segmento religioso (sobretudo evangélico, mas também católicos, espíritas, umbandistas) que segue a voz seus pastores ou padres fundamentalistas, com um agressivo discurso moralista. Podemos chamá-los de MORALISTAS RELIGIOSOS.

O terceiro segmento é composto por pessoas que carregam em si uma espécie de fúria e rancor generalizado contra tudo aquilo que pensam que não os valorizou, contra o “sistema” que não reconhece sua importância. Demonstram, quando reunidos em manifestações ou passeatas, sua raiva contra pessoas e instituições. Assim, vimos manifestações furiosas contra o Congresso Nacional, contra o Supremo Tribunal Federal e também contra membros desses poderes. Pior que isso: vimos passeatas de manifestantes bolsonários que berravam contra os moradores de prédios (comuns, de classe média) ameaças de agressão fazendo gestos imitando metralhadoras. Na verdade, isso é uma demonstração desse espírito de agressividade que domina esse segmento. Podemos chamá-los OS INSATISFEITOS, por falta de um nome melhor.

Certamente, o sentimento de pertença a um grupo lhes dá a sensação de estar “fazendo parte” e de estar fazendo alguma coisa importante. Na verdade, citando mais uma vez Arendt: “A consciência da desimportância e da dispensabilidade deixava de ser a expressão da frustração individual tornava-se um fenômeno de massa” (p. 446).

Evidentemente, essa divisão é relativamente arbitrária, pois as características se cruzam. O que todos têm em comum é um antipetismo radical, atribuindo toda corrupção e todos os males do Brasil ao PT, pois adotaram o discurso de meios de comunicação como Globo, Veja etc. (interessados em alijar o PT do poder, a fim de retomarem o controle absoluto da pauta econômica, sobretudo as privatizações). Além disso, compartilham uma pauta de cunho moralista combatendo os movimentos homossexuais, os movimentos feministas e os movimentos antirracistas, incluindo a crítica aos direitos humanos.

Vamos dar uma olhada nesses segmentos.

O SEGMENTO ANTIPETISTA é basicamente formado por pessoas de classe média (servidores públicos com salários mais altos, principalmente do Judiciário e Legislativo, profissionais liberais, donas de casa de classe média, profissionais de áreas técnicas mais bem remunerados) e, na esteira desses, alguns trabalhadores mais simples. Essas pessoas já haviam demonstrado em algumas ocasiões insatisfação com o fato de que, a partir do governo Lula, uma parcela mais pobre estava tendo acesso a coisas que antes eram só elas, como viajar de avião, por exemplo. Houve até um início de movimento de mulheres de classe média em São Paulo que pretendia combater o PT, preocupadas principalmente com essa “promiscuidade”, embora usassem a retórica da moralidade, evidentemente. Nesse segmento, também predomina a crítica aos sistemas de cotas, bem como aos projetos sociais, chegando mesmo a vê-los como táticas comunistas-socialistas (o que mostra que não têm a menor ideia do que seja comunismo ou socialismo)

Quando os grandes meios de comunicação, articulados com setores do Judiciário a serviço dos interesses do Mercado, conseguiram emplacar a ideia de que o PT era corrupto, os membros desse segmento encontraram um motivo “socialmente válido” para justificar sua oposição ao PT. Então, entraram de corpo e alma nas manifestações anticorrupção, participaram dos panelaços e, por fim, votaram em Bolsonaro com a explicação de que era a única forma de retirar o PT do poder. Assim, tranquilizavam suas consciências sobre esse voto em alguém que, além de não ter aquele “jeitinho bem comportado” dos políticos do PSDB, tinha um discurso moralista que não era o deles, já que a classe média era naturalmente a favor da liberdade de gêneros e do aborto, bem como não endossava o discurso racista de Bolsonaro (embora grande parte dela seja “racista à brasileira”, como se diz).

O SEGMENTO MORALISTA-RELIGIOSO é majoritariamente evangélico, principalmente das denominações que seguem a linha da teologia da prosperidade, como Igreja Universal do Reino de Deus, da Assembleia de Deus Vitória em Cristo e similares. Na verdade, a grande maioria dos evangélicos pode ser classificada neste segmento. Como já disse, outros grupos religiosos também podem ser incluídos aqui, mas neles há mais diversidade e divergência quanto a essas questões. Acontece que, nas denominações evangélicas, há uma coesão muito forte, de modo que seguem com mais fidelidade as orientações de seus pastores. Esses, por sua vez, para garantir sua autoridade, utilizam textos bíblicos, interpretando-os de forma literal, entendendo cada detalhe como um mandamento oriundo diretamente de Deus. (Bem, não vamos entrar aqui na discussão teológica sobre a questão da compreensão da Bíblia como Palavra de Deus). Só queremos destacar que, com essa argumentação, os pastores dessas igrejas controlam o comportamento e a ideologia de seus membros.

Do ponto de vista moral (não entrarei nos possíveis interesses financeiros), os principais temas que interessam a esse segmento são a questão da sexualidade e do aborto e, em decorrência, o formato da família e o papel da mulher.

A mudança nos costumes que ocorreram nas últimas décadas quanto à sexualidade, à liberdade da mulher, ao surgimento de novas formas de família e que, foram, progressivamente se legalizando, começou a incomodar a essas pessoas, pois viam nisso uma clara afronta à vontade de Deus expressa nas Sagradas Escrituras, que condenam o homossexualismo, que falam da submissão da mulher ao homem etc. Entrando na onda dos propagandistas de direita, atribuíram essa “decadência” à esquerda. No caso do Brasil, isso significava PT (na verdade, ignoram que todos esses movimentos surgiram em países capitalistas, com ideologia capitalista; apenas, por uma extensão do conceito de esquerda é que esses movimentos passaram a ser considerados de esquerda).

Na verdade, há muitos anos, os evangélicos vinham investindo em ocupar espaços políticos, tendo, inclusive, construído uma bancada evangélica bastante forte. Quando chegaram as eleições, eles decidiram aderir a Bolsonaro que, embora católico, divorciado várias vezes e assumidamente promíscuo, criticava esses debates de gênero e assumiu o compromisso de ser contrário ao aborto. Assim, os pastores encamparam a campanha de Bolsonaro e passaram a induzir seus fiéis a votar nesse candidato. Nos ambientes católicos, alguns padres desempenharam o mesmo papel e, mesmo onde os padres ou bispos não apoiassem Bolsonaro, grande número de católicos votou nele pela mesma razão moralista dos evangélicos.

Esse segmento moralista-religioso talvez preferisse outro candidato mais “moralmente correto”, porém decidiram apostar neste que aparecia como o único capaz de acabar com a “ameaça” à moral e aos bons costumes que o PT representava para eles.

O SEGMENTO DOS INSATISFEITOS é o mais difícil de definir, pois não tem um elemento que possa caracterizá-lo como os anteriores. Na verdade, muitos membros dos grupos anteriores também compõem esse segmento cuja principal marca é uma insatisfação generalizada, comumente consistindo numa raiva reprimida contra o conjunto da sociedade. Pode ser um empresário descontente porque acha que o governo não faz nada por ele. Pode ser um servidor público efetivo ou comissionado que acha que é subvalorizado, que mereceria uma função melhor. Pode ser um policial que se sente injustiçado porque corre risco de vida para defender a população e ganha pouco, além de se sentir inseguro em razão das possíveis críticas da imprensa sempre falando de direitos humanos. Esses fatores, junto a outros, podem criar um tipo de raiva que explode quando essas pessoas sentem que há um clima ou alguém que pode dar cobertura a eles. Um caso bem típico e extremo pode ser esse: logo após a eleição do Bolsonaro, uma madame na fila do restaurante dizia em alto e bom som que “essa folga ia acabar”, referindo-se a uma senhora negra na sua frente.

Enfim, esses exemplos são só para ilustrar que podem ser “insatisfações”, “frustrações”, “rancores”, “ressentimentos” de diferentes tipos que, de algum modo, congregam essas pessoas em torno de alguém que, embora sem conteúdo, encarna essas emoções difusas. Aliás, nesses casos, o conteúdo não é importante, o que importa é essa sensação de ter encontrado alguém que expressa suas insatisfações genéricas. Esse segmento pode se tornar mais perigoso que os outros, pois tendem a ser mais instintivos e violentos em suas reações.

Todas essas massas têm em comum uma tendência a crer em teorias da conspiração. Sempre acham que há um complô internacional que é causa de todos os males. Assim como o nazismo se utilizou da grande farsa histórica que eram OS PROTOCOLOS DE SIÃO, que consistia num documento que dizia que os judeus tinham um plano para controlar o mundo inteiro, também no Brasil essas massas têm algumas teorias da conspiração próprias. O “comunismo”, evidentemente, continua assustando as pessoas, apesar de não haver nenhum país comunista com capacidade ou com interesse em expandir o “comunismo”. Citam com frequência Cuba e Venezuela, nossos vizinhos pobres e falidos. Citam também a China. O fato de a Covid-19 ter surgido na China se tornou um prato cheio para estimular as teorias da conspiração sobre a “ameaça comunista”. Entretanto, chamar a China de comunista nos dias de hoje é quase uma piada. Contudo, os membros dessas massas apenas repetem palavras de ordem que parecem justificar suas posições.

Além do comunismo, atualmente falam da ameaça que representam o “marxismo cultural” e o “globalismo”, vistos como duas grandes conspirações internacionais para dominar o mundo.

Na verdade, incentivar esses temores faz parte, desde sempre, da estratégia para manter as massas unidas e prontas para ações mais agressivas. Trata-se de inventar um inimigo para justificar o estado de guerra em que se quer manter a população.

Limitei este texto aos segmentos que caracterizo como “massa” e que constituíram o grosso do eleitorado do Bolsonaro. Contudo, é preciso não esquecer que sua eleição se tornou possível porque, ao mesmo tempo, grupos empresariais importantes deram seu apoio, alguns mais discretamente, outros mais explicitamente, como os empresários da agroindústria que o apoiaram incondicionalmente por seu compromisso de reduzir os controles ambientais.

Encerro esse artigo repetindo a frase de Hannah Arendt citada acima: “Os movimentos totalitários são possíveis onde quer que existam massas...”.

Manter vivo esse formato de massas num povo é importante para quem quer implantar um sistema autoritário. Por isso, precisamos promover uma educação capaz de fazer surgir cidadãos autênticos, que sejam bem informados e capazes de processar essas informações, de modo a ter um senso crítico pessoal – e não apenas aderir e repetir slogans ou palavras de ordem produzidos maciçamente, como vimos nas passeatas e redes sociais. O interessante é que essas pessoas se achavam muito politizadas e conscientes. Infelizmente, eram apenas manipuladas e massa de manobra dos senhores do Mercado para derrubar um governo que não atendia a todas as demandas do Mercado.

Criando cidadãos conscientes, iremos fortalecer as organizações da sociedade civil – associações, sindicatos, organizações não governamentais, instituições de apoio social etc. Porque é essa sociedade civil que garante a democracia. Afinal, democracia se constrói com diálogo, com intercâmbio de ideias e respeito às diferenças. Democracia também implica admitir que se pode estar errado e que se pode ser o lado vencido numa disputa. Democracia significa nunca querer impor suas ideias à força, mas através do convencimento. Democracia é, antes de tudo, o reconhecimento de que todos os cidadãos são dignos de respeito e merecem ser ouvidos.

A democracia é o único caminho para se construir um país com verdadeira igualdade, com espírito de fraternidade e, obviamente, com liberdade.