OS BOLSONÃRIOS


OS BOLSONÁRIOS

UMA SEITA BRASILEIRA

                                         

Em primeiro lugar, precisamos fazer um esclarecimento sobre o conceito de seita que adotamos aqui.

Usa-se muito o termo “seita” referindo-se a um grupo religioso que questiona as religiões “oficiais”, ou seja, as que já se tornaram aceitas na sociedade. Por exemplo: uma pessoa discorda de algum dogma de uma das igrejas convencionais e cria um grupo de seguidores; esse grupo começa ser chamado de seita. Não é nesse sentido que usamos “seita” aqui.

Geralmente, as pessoas pensam que seita só tem a ver com religião. Na verdade, precisamos entender que podem existir seitas que não são de caráter religioso. Elas podem também ser políticas. É a desse tipo de seita que vamos falar.

Nesta reflexão, o que nos importa é o comportamento que caracteriza os seguidores de uma seita. Alguns estudiosos acham mais apropriado falar, nesses casos, de “sectarismo”, que é um termo que define bem o comportamento que quero abordar aqui. Ao longo do texto, ficará mais claro o que pretendo dizer.

A principal característica dos seguidores de uma seita é considerar que sua crença e seu grupo são senhores absolutos da verdade. Isso os leva a achar que qualquer um que questione suas ideias ou seus líderes é um agente do mal. Em outras palavras: só a seita conhece e pratica a verdade e o bem. Assim, os sectários se consideram os mensageiros da salvação absoluta (religiosa, política, social ou moral). Por outro lado, os que não se “convertem” serão condenados de forma radical seja na outra vida (com as penas do inferno), seja nesta vida (com a morte, a tortura ou a agressão física ou moral).

Outra característica importante é que os sectários apoiam, aprovam e obedecem cegamente a seus líderes, sendo incapazes de enxergar quaisquer defeitos ou contradições que eles possam ter.

Existiram muitas seitas ao longo da história, sobretudo de tipo religioso. Aliás, mesmo quando a seita é de tipo político, tem algo como se fosse uma religião com seus dogmas e hierarquia. Os sectários nazistas na Alemanha agiam da forma descrita acima. Hitler era para eles uma espécie de messias ou de mito, tudo que ele dizia ou fazia era admirado e repetido; qualquer pessoa que criticasse ou discordasse de Hitler era agredida fisicamente e moralmente. Em nome de Hitler e da Alemanha, queimavam casas, apedrejavam pessoas, linchavam etc., como já se sabe. O fanatismo cegara os sectários nazistas. Quando, no final da guerra, Hitler se suicidou, muitos sectários também se suicidaram. Esse exemplo é suficiente, mas coisas semelhantes aconteceram como os sectários de Mussolini, na Itália, ou os sectários de Stálin na União Soviética.

Também preciso esclarecer que nem todos os apoiadores de Jair Bolsonaro têm o comportamento sectário que vou descrever. Há os que o apoiam por acreditar em suas promessas de moralização da política, outros por causa de sua proposta de privatização das empresas estatais, outros porque queriam apenas tirar o Partido dos Trabalhadores do poder, outros porque ele prometeu combater o aborto, a discussão sobre gênero etc. Alguns, talvez, por oportunismo.

Mas vamos entrar no assunto.

No Brasil, atualmente, estamos vendo surgir uma seita, de tipo político, bastante agressiva. Os sectários de Bolsonaro, que é chamado de mito por eles (o que já mostra que ele representa para eles algo sobre-humano), têm um comportamento típico de membros de uma seita.

Alguns casos são exemplares

  1. Quando alguém faz qualquer crítica ao seu “salvador”, os bolsonários começam imediatamente a atacá-lo. O ataque mais comum é dizer que aquele crítico é “comunista” ou “esquerdista”, mesmo que ele não seja. Na verdade, essa acusação de “comunista” na cabeça deles funciona como, na Antiguidade, os fanáticos chamavam alguém de bruxa ou de endemoniado.
  2. Embora o Bolsonaro não seja médico nem entenda nada de ciência, quando ele começou a defender a cloroquina para curar a Covid-19, os bolsonários começaram a defendê-la agressivamente como se entendessem também de medicina. Houve até um caso extremo e bem típico do fanatismo sectário: um bolsonário, numa manifestação, berrava que seria capaz de morrer pelo “mito” tomando cloroquina.
  3. Os membros da seita bolsonária se afastam e abandonam parentes e amigos que não são bolsonários. É exatamente o que fazem todas as seitas para evitar que o sectário seja influenciado por visões diferentes e se afaste da “sua verdade indiscutível”. Isso aconteceu comigo e com vários conhecidos: de repente, o primo ou amigo bolsonário para de falar com a gente quando vê que nós não acreditamos no “mito” deles e não iremos nos “converter”.
  4. Como qualquer sectário, os bolsonários costumam ler e ouvir somente as informações que vêm do próprio grupo ou que falam bem de seu líder. Nunca leem nenhum jornal, revista ou artigo que sabem que não apoia o “mito”. Chamam os veículos de comunicação que façam alguma crítica ou deem alguma informação que questione Bolsonário de “comunistas” ou “esquerdistas”, que equivale a “demônio” para eles. Entretanto, o pior mesmo é quando algum membro ou apoiador larga a seita: essas pessoas passam a ser agredidas violentamente. Isso lembra alguns grupos religiosos radicais que têm a prática de afastar os “traidores” até de suas relações familiares.
  5. Um dos sinais mais evidentes desse comportamento sectário está expresso num frase que circula pelas redes sociais que diz: “Onde o Jair for, eu vou com ele”. Isso mostra que seus seguidores o seguem de forma absoluta e incondicional. Não é apenas lealdade política ao líder, pois essa é condicionada ao fato de que o líder mantenha seus compromissos políticos. A lealdade política também não é absoluta, pois se refere apenas aos aspectos políticos, não a qualquer atitude ou posição do líder em outros aspectos da vida. Ao dizer que “onde o Jair for, eu vou com ele”, o sectário está equiparando seu mito a Jesus ou a Maomé, por exemplo. Para nós cristãos, somente Jesus deve ser seguido de forma incondicional e absoluta; nem mesmo papas, bispos, pastores podem ser seguidos dessa forma. Então, para o bolsonários, seu mito tem um valor supremo e inquestionável, comportamento típico de seitas.

 

Essas características, comuns aos membros de seitas, constituem um perigo real para a sociedade, pois os sectários passam a se tornar cada vez mais fanáticos a ponto de fazerem qualquer coisa que ajude a impor sua crença aos outros. Eles são capazes de atos de terrorismo, de assassinatos, de torturas, de suicídio (como foi a caso dos sectários de Jim Jones em 1978). Fanatizados pelas “verdades” das seitas, os sectários negam qualquer evidência que contradiga suas afirmações. Veem em tudo uma conspiração para derrubar a “salvação” que sua seita quer trazer. Negam verdades científicas, negam fatos óbvios, negam-se a reconhecer que seu “mito” cometeu erros ou disse coisas absurdas.

Infelizmente, apesar de todo o progresso que a Humanidade já alcançou, ainda há uma parcela significativa de seres humanos que deixa de lado a Razão, o Diálogo, a Argumentação e tenta impor sua opinião à base da força.

Alguns atribuem esse comportamento sectário ao baixo nível cultural das pessoas, mas não sei se é só isso, até porque, entre os fanáticos, há pessoas razoavelmente cultas. Outros pensam que alguns indivíduos ou grupos têm necessidade de ter alguma crença que os faça sentir seguros, pois se sentem perdidas num ambiente de maior liberdade (por isso, querem ditadura, fim de direitos humanos, fim das liberdades etc.). Outros estudiosos defendem que isso é resultado de um complexo de inferioridade, uma sensação de frustração por não conseguir o que acha que merecia, então essa adesão dá a elas a sensação de que “estão fazendo algo importante”.

Há várias teorias que buscam entender esse fenômeno das seitas e do fanatismo, mas o que importa aqui é que precisamos estar atentos para que esse sectarismo não contamine nosso país com o veneno do ódio e do radicalismo.