QUEM ACREDITA EM MITOS?


QUEM ACREDITA EM MITOS?

 

A palavra “mito” pode ser usada em vários contextos, ganhando conotações e significações diferentes.

Se você for olhar no Dicionário Houaiss, por exemplo, vai ver que ele começa dizendo que se trata de “relatos fantásticos...”.

Aristóteles chamava de mitos as estórias que as vovozinhas contavam para seus netinhos.

No sentido mais geral, o termo “mito” tem essa característica de ser uma história inventada.

Os estudos sobre mitologia começaram a revalorizar os mitos, vendo que eles, apesar de serem inventados, tinham dentro de si certos ensinamentos e mensagens sobre a vida, sobre o ser humano, sobre o mundo. Então, na esfera acadêmica, estudar um mito tornou-se algo importante, não para conhecer a verdade histórica ou a verdade científica, mas para poder entender melhor as profundezas do ser humano.

Hoje, popularmente, “mito” significa quase sempre falsidade ou mentira. Assim é que se vê, volta e meia, uma reportagem sobre “VERDADE OU MITO?” abordando um tema qualquer: “Comer manga e tomar leite faz mal: verdade ou mito?”

Entretanto, também, de vez em quando, ele é usado para engrandecer alguma personalidade: “Pelé: um mito do futebol”. Neste caso, evidentemente, percebe-se claramente que se trata de um tipo de metáfora.

A palavra “mito” ganhou muito destaque na última eleição por ser aplicada ao candidato Jair Messias Bolsonaro. Nos lugares em que aparecia, era comum seus seguidores saudá-lo aos gritos de “Mito! Mito!”. Neste caso, a ideia era de que ele era considerado um herói, um político corajoso e que nunca havia se envolvido com os esquemas de corrupção. Na verdade, não interessava o fato de que ele era muito ligado ao deputado Eduardo Cunha, que controlava um grande esquema de corrupção na Câmara dos Deputados. Também não importava o fato de contratar vários funcionários fantasmas, nem que ele usava ilegalmente um apartamento funcional para “comer gente” (palavras dele).

Na verdade, neste caso, o mito se impõe como alguém acima do bem e do mal. Tudo o que ele disser será recebido como verdade, independente de qualquer coisa que tenha feito. Os seguidores do mito acreditam piamente no que se diz de bom sobre seu mito e negam qualquer coisa que se diga contra ele. Assim, seus seguidores se tornam sectários fanáticos. Para eles, o mito é o único político que nunca praticou nenhuma corrupção, que sempre diz a verdade, que tem coragem de enfrentar as forças contrárias.

Esse fanatismo fica mais evidente quando começam a aparecer as ligações do mito com milicianos, suas incoerências e, mesmo, quando faz aliança política com o Centrão (o grupo de políticos que faz da política uma negociata). Esse fanatismo se revela como uma espécie de adoração do mito quando ele, por exemplo, contra todas as evidências científicas indica determinado remédio para tratamento da Covid-19. Seus seguidores o apoiam incondicionalmente. Se o mito não consegue realizar o que prometeu, a culpa será jogada sobre os outros que não o deixam governar, que estão “conspirando” contra ele, que querem prejudicá-lo etc.

Na verdade, a relação com o mito é uma relação de fé incondicional. Essa crença tão fanática pode facilmente descambar para posturas agressivas e violentas. É o que temos visto acontecer atualmente. Vemos bolsonários agredindo e até ameaçando fisicamente os que criticam seu mito.

Ao longo da história humana, temos visto fenômenos semelhantes. Parece que, em determinados momentos, há pessoas que precisam crer em mitos, em coisas ou explicações ou pessoas que lhe deem segurança psicológica, que as ajudem a colocar para fora seus ressentimentos, seus medos, suas ansiedades. Seu mito é sua segurança. Essas pessoas tendem a se fanatizar e, então, querem impor sua crença às outras à base da força. Isso acontece porque são incapazes defender suas posições de forma racional, são incapazes de argumentar. Assim perdem o espírito de diálogo e abandonam a tolerância. Todo aquele que discordar de seu mito é tratado como inimigo.

Já é sabido que esse tipo de reação revela uma personalidade insegura, provavelmente com sentimentos reprimidos de inferioridade. Pessoas assim, para se sentirem fortes, não inferiorizadas, precisam contra-atacar, precisam ofender e submeter o outro na base da força ou da violência, precisam calar o outro.

Aliás, isso me recorda o filme A ONDA, que aborda um experiência que um professor fez em um curso de História em que ele quis mostrar aos alunos como o que aconteceu no nazismo poderia se tornar possível. A maioria dos alunos acaba aderindo ao sistema de controle e fanatismo típico dos sectários nazistas (não direi mais para não estragar o enredo, caso alguém queira ver).

No caso dos seguidores de Bolsonaro, temos o agravante de que ele próprio tem uma postura agressiva, que acaba estimulando seus sectários a agir da mesma forma. Esses “crentes” não precisam pensar, basta que sigam as orientações do mito, com o apoio do restante dos membros da “seita” (pois é assim que se chama esse tipo de grupo fanático).

Evidentemente, para a sociedade, isso pode ser uma tragédia, pois cria um clima de radicalização, de desrespeito e de rancor, como temos visto em nosso país.

Isso tudo me leva a pensar o quanto ainda estamos distantes do ideal de sermos realmente civilizados, de sermos capazes de construir uma sociedade em que a Razão seja aquela que fundamenta nossas opiniões e estabelece o diálogo entre as pessoas.