O REINADO DO PAI DA MENTIRA
... entendereis a verdade e a verdade vos libertará.
(Jo 8,32)
Gostaria que alguém me explicasse o que está acontecendo com as pessoas, que simplesmente deixaram de se interessar pela verdade. Sempre houve mentirosos no mundo. Sempre houve gente que espalhava mentiras e calúnias para se livrar de alguma acusação, para prejudicar outras pessoas, para conseguir alguma coisa. Também todos sabemos que os governos e políticos frequentemente mentem para defender seus interesses, sobretudo em governos ditatoriais: os hítleres da vida, os estálins da vida, os regimes militares latino-americanos e do mundo. Porém, entre as pessoas comuns e honestas dos povos, a mentira era considerada coisa grave. Mesmo que, eventualmente, alguém contasse uma mentira por algum motivo específico, haveria certo remorso depois. Afinal, fomos educados dentro do princípio de que sempre se deve dizer a verdade.
Há alguns anos, contudo, tem se tornado normal a divulgação de fake news. Essa expressão inglesa parece que dá um ar mais chique, uma certa sofisticação àquilo que, no popular, se chama mentira mesmo. Há fake news sobre todos os assuntos: religião (Nossa Senhora apareceu não sei onde); doenças e tratamentos (coma muito disso ou daquilo); agora, então, com a COVID-19, o que aparece de fake news não dá nem para contar. Principalmente a política é o lugar privilegiado das fake news: “notícias” caluniosas sobre adversários, “notícias” mentirosas para favorecer os seus líderes; candidatos são eleitos à base de fake news.
Vários estudiosos do assunto falam que estamos no tempo da “pós-verdade”. Como assim? Que negócio é esse de “pós-verdade”. Ou é mentira ou é verdade. Enfim, não vi nenhuma explicação convincente sobre por que tanta gente, que se considera “um honesto cidadão de bem”, sai espalhando mentiras por aí.
No começo, eu pensava que seria ingenuidade das pessoas. Assim, ela recebia uma mensagem “denunciando” um deputado (do qual ele não gostava) e repassava para seus contatos. Acho que, em muitos casos, essas pessoas queriam mostrar que eram politizadas, conscientes, preocupadas com os destinos do país ou coisa assim. Entretanto, após um tempo em que já estava bastante clara essa ocorrência de fake news, comecei a perceber que não se tratava de ingenuidade. De fato, as pessoas continuavam repassando aquele tipo de mensagem sem nenhum escrúpulo.
Assim, fui percebendo que as pessoas não estavam interessadas na verdade.
Existe uma velha história, atribuída a Sócrates, que já rodou na internet, sobre alguém que vai contar a Sócrates alguma coisa que ouviu dizer a respeito de outra pessoa. Sócrates o interrompe e pergunta se o que ele ia contar já passara pelas três peneiras: verdade, bondade e necessidade.
Hoje ninguém quer saber de peneira nenhuma, nem da primeira. Não há nenhuma preocupação em saber se algo é verdadeiro. O mais grave é que vivemos numa época em que é muito fácil conferir a veracidade de qualquer informação, mas essas pessoas não se dão ao trabalho de averiguar nada. Pensam assim: fala mal de quem eu não gosto, divulga; fala bem de quem eu gosto, divulga.
Em nosso país, tem-se repetido frequentemente a frase de Jesus “a verdade vos libertará”. Porém, parece que as pessoas não têm a menor intenção de levar isso a sério. Pelo contrário.
Como todo mundo, eu também sou vítima dessa enxurrada de fake news e tenho o hábito de, ao receber alguma notícia, verificar se é ou não verdadeira. Se não for verdadeira, eu respondo à pessoa informando que aquela notícia é falsa. Faço isso com a intenção de ajudar a pessoa a não permanecer no erro e para ela também começar a fazer triagem do que recebe. Porém o que acontece é que muitas pessoas ficam com raiva de mim, dizem que eu sou metido a saber mais que os outros etc. Outras pessoas simplesmente param de me enviar mensagens. Infelizmente, não têm a honestidade de reconhecer que estavam erradas (às vezes, em coisas sérias como calúnias pesadas contra determinados políticos ou artistas) e continuam enviando suas fake news do mesmo jeito de sempre. Que me lembre somente duas pessoas reagiram dizendo que iam modificar aquela mensagem.
O pior é que a maioria dessas pessoas se diz cristã. Algumas frequentam a Igreja, participam de grupos das comunidades. Na verdade, simplesmente ignoram completamente a insistência das Escrituras para que sejamos pessoas da verdade, sobretudo de Jesus que se apresenta como a Verdade em pessoa. E o próprio Jesus sabe que há uma conspiração para condená-lo e matá-lo que se constrói sobre mentiras e calúnias (hoje diríamos: fake news). Pouco antes de ser preso ele denuncia:
Vós tendes por pai o Diabo, e quereis satisfazer os desejos de vosso pai; ele é homicida desde o princípio, nunca se firmou na verdade, porque nele não há verdade; quando ele profere mentira, fala do que lhe é próprio; porque é mentiroso, e pai da mentira.
Parece que vivemos no Reinado do Pai da Mentira, de tantos filhos que ele tem por aí.
