O JUIZ QUE VIROU MINISTRO DA JUSTIÇA
As primeiras coisas que falaram sobre o Juiz me deixaram esperançoso. Costumo ser desconfiado quando vejo essas reportagens laudatórias sobre algum personagem. Isso tem me preservado de muitas decepções. Lembro quando falaram de um certo empresário, que ele era o máximo, o Rei da Soja e coisa e tal, e algum tempo depois, descobriu-se tanta coisa... Também de um candidato que apareceu como Caçador de Marajás, e depois... Ainda bem que sempre fiquei com um pé atrás nessas propagandas para ver o que ia acontecer.
Entretanto, dessa vez, parecia que tínhamos uma possibilidade de ter encontrado um juiz sério que poderia ajudar a desmontar o esquema de corrupção que, há muitos séculos e de forma contínua, existe neste país. Diziam que era inteligente, que tinha feito especialização em “crimes de colarinho branco” nos Estados Unidos, que era culto, corajoso e muitas outras virtudes. Na verdade, depois soube que sua “especialização” fora feita no Departamento de Justiça dos Estados Unidos, que, na verdade, “treina gente” que possa ser útil para os interesses norte-americanos.
Fiquei observando os fatos.
Então me dei conta de que os elogios e apoio explícito dos meios de comunicação não eram tão desinteressados e imparciais. Não sou ingênuo e sei que nunca são, mas, às vezes, eles moderam um pouco e apresentam alguns aspectos contraditórios, sobretudo quando se trata de questões judiciais. No entanto, no caso do Juiz, o apoio era total e a única versão ou interpretação era a que o próprio Juiz e seus parceiros do Ministério Público apresentavam.
Isso ficou mais claro quando, começaram a aparecer irregularidades nos procedimentos do Juiz, que eram visivelmente contrários a um processo legal. Então comecei a suspeitar que o heroico Juiz não era tão isento assim ou, numa hipótese mais branda, que não era tão competente quanto diziam.
Pouco a pouco, a imagem de juiz imparcial e justo foi sendo derruída, até que, finalmente, ficou claro que o Juiz não era o homem sério, juridicamente falando, que se dizia. Entretanto, ele sempre mantém um ar sério, parece o tempo todo tenso e preocupado com alguma coisa importante.
Depois o Juiz foi convidado pelo Presidente eleito para assumir o Ministério da Justiça, com a promessa de que teria amplos poderes para combater a criminalidade e a corrupção. Confirmando as suspeitas de muitos sobre as segundas intenções do Juiz ao condenar o outro candidato, o mais forte concorrente contra o que ganhara a eleição, o Juiz imparcial e impoluto aceitou, renunciando a sua vida na Magistratura.
Ao sair do espaço do Judiciário e entrar na política, sobretudo numa função tão relevante, o Juiz, agora ex-juiz, se torna mais visível. Começa a ser convidado para dar entrevistas nos órgãos de comunicação, precisa fazer pronunciamentos de vez em quando. Essa exposição tornou possível perceber quem realmente era o Juiz (continuarei a chamá-lo assim, apesar de ele não o ser mais).
Uma das primeiras coisas que me chamou a atenção foi: como fala mal o Português! Não que eu ache que isso deva ser exigido das pessoas em geral ou mesmo de políticos. Contudo, um juiz com o título de doutor (embora não tenha doutorado), deveria ter uma noção mínima de concordância verbal e nominal, de uso de alguns verbos como o verbo “haver” etc. Fiquei a imaginar: como será que esse senhor passou num concurso para juiz, se a prova de Português é uma das mais importantes.
Depois, ficou evidente o quanto o Juiz é inculto. Sabemos que, tradicionalmente, muitos homens e mulheres da área do Direito têm uma leitura geral muito boa. Têm um conjunto de informações que vai além dos conhecimentos específicos do Direito. Porém não é esse o caso do Juiz. Ao ver suas entrevistas, ficou claro tratar-se de pessoa sem nenhuma cultura ou erudição. Até poderíamos desculpá-lo considerando que, atualmente, o nível cultural do pessoal da área jurídica é muito limitado. Grande parte deles é apenas um burocrata especializado em procedimentos legais, sem nenhum saber mais abrangente ou cultura geral. Contudo, considerando a imagem que se construíra a seu respeito, era de se esperar que fosse alguém mais instruído, o que lhe daria uma visão mais humanista e ampla da Lei.
A seguir, percebi que, na verdade, o Juiz não é inteligente, coitado! Via-se que tinha dificuldade de entender certas questões que lhe eram apresentadas. Era incapaz de entender as coisas em sua totalidade ou de pensar com agilidade. Foi aí que concluí que sua “seriedade” era, na realidade, fruto do esforço que tinha que fazer para entender o que estavam dizendo. Pensar era um esforço muito grande para ele, por isso aqueles trejeitos e contração facial.
Por fim, a imagem de corajoso que haviam construído sobre o Juiz revelou-se falsa também. Descobri isso pouco depois que o novo Presidente havia assumido. Apesar de o Presidente ter-lhe prometido amplos poderes, interferiu de forma direta em seu Ministério retirando uma pessoa indicada pelo Juiz-Ministro, colocando outra em seu lugar. Atropelou sem cerimônia a prometida autonomia do Juiz. O Juiz engoliu em seco e se submeteu. Ao longo do tempo, muitas outras vezes o Juiz foi “atropelado” pelo Presidente e sempre se encolheu. Até mesmo um artigo de uma Lei que o Congresso havia aprovado e havia sido enviada para a sanção presidencial, mas que o Juiz considerava essencial ser vetado pelo Presidente, foi mantido. Repito: o Juiz apenas se calou e submeteu-se a diversas “humilhações” públicas. Infelizmente, falando no popular, o Juiz é um frouxo.
Agora, o Juiz, finalmente, decidiu sair do governo após o episódio em que o Presidente queria trocar o Diretor da Polícia Federal. Saiu acusando e tentando vender sua imagem de impoluto, corajoso e incorruptível. Contudo, o Juiz é um fraco.
É possível que seja o próximo presidente do país. É o tipo de gente que interessa aos grandes controladores do mercado e dos meios de comunicação.
(Texto criado em 06/06/2020)