O outro lado de Nietzsche


 

O OUTRO LADO DE NIETZSCHE



Nietzsche é um escritor fascinante. Sua escrita é leve, incisiva e cheia de metáforas originais. Além disso, seu estilo combativo, contundentemente crítico, mantém os leitores em estado permanente de alerta. Independente do fato de concordar ou não, suas obras prendem o interesse do leitor.

Certamente, ele é, atualmente, um dos escritores mais estudados. Depois que Marx, entrou em desuso, o índice proporcional dos estudos sobre Nietzsche deve ter aumentado consideravelmente.

Contudo, parece-me que ele é mais citado do que realmente lido. Mais ainda, há uma veneração – diria mesmo um culto – ao nome do autor de Zaratustra que se sente na própria maneira como seu nome é pronunciado, quase como quem enuncia uma palavra sagrada: “como dizia o próprio Nietzsche” - e esse “Nietzsche” ecoa solene sobre a plateia.

Afora os estudos mais complexos e completos, de modo geral, os textos sobre esse autor trabalham com citações parciais, entrando pela literatura, pela psicologia, pela antropologia, pela semiologia, etc. Naturalmente, tais análises limitam-se ao aspecto que lhes interessa. Dessa forma, apresentando apenas uma dimensão de suas ideias, funcionam como a história dos cegos que foram conhecer o elefante: cada um apalpando um pedaço do animal o percebeu como se fosse uma coluna ou uma parede ou uma cordinha, etc. Aí Nietzsche pode parecer grandioso ou monstruoso...

Porém, o mais complicado são as frequentes citações de textos nietzscheanos ou o seu uso como apoio em conferências de auto-ajuda – já o vi até nessas mensagens eletrônicas repassadas pela internet com frases de otimismo existencial.

Então, após longas lucubrações, achei por bem, só de sacanagem, mostrar o outro lado de Nietzsche. E é aquela velha história do cara pelado no meio da rua: quem já viu não se admira; quem nunca viu, não sabe o que é.

Ou – como diria o Jedi – vamos ao “lado negro da força”.

Você, caro leitor, já percebeu que não tenho a menor intenção de fazer qualquer análise profunda. Deixo isso pra outros mais competentes. A propósito, estou apenas respeitando o que o próprio havia dito:


Aquele que deu de uma passagem de um autor uma explicação mais profunda do que realmente estava no conceito não explicou o autor, mas o obscureceu (O viajante e sua sombra, 17 – Explicações profundas).


Aqui, vou apenas mostrar algumas das posições que Nietzsche emitiu em suas obras – de caráter político, social, religioso, ... O leitor tire suas conclusões e faça o que achar melhor com isso. A única coisa que farei será uma brevíssima introdução em cada tópico, chamando a atenção para algum aspecto.

Lembro, apenas, que muitos de seus comentários ácidos sobre a sociedade, sobre a religião, sobre a cultura eram (e continuam) muito pertinentes, embora eu não me preocupe em apresentá-los nesta espécie de antologia (vamos chamá-la assim), pois, aqui, só cabem os polemicamente anti-alguma coisa ou (talvez se diga) aqueles politicamente incorretos.

Do ponto de vista contemporâneo, em que, no Ocidente ao menos, a democracia é um valor, os direitos da mulher estão legalmente reconhecidos e qualquer postura antifeminista pode ser tratada como crime, assim como o racismo, Nietzsche seria considerado reacionário.

Nietzsche, um revolucionário sob tantos aspectos, questionador de todo moralismo normativo, possuía esse outro lado – digamos – conservador. Alguns, mais eufêmicos, dizem “aristocrático”. Poder-se-ia, talvez, alegar em sua defesa ser a mentalidade corrente da sua época (o que, a meu ver, deporia contra ele, um homem que se achava além de sua época, um filósofo “póstumo”, em suas próprias palavras). Contudo, mesmo essa concessão seria imprópria, pois, em seu tempo, a democracia, a igualdade da mulher, os direitos trabalhistas já estavam na pauta da sociedade.

Quanto à discussão racial, talvez se possa dar algum desconto, considerando que ela ganhava foros de ciência, com os estudos da Antropologia de seu tempo.

Se ele teria ou não contribuído para o fortalecimento do movimento nazista que surgiria mais tarde, parece uma questão mais controversa. Grande parte de seus textos são nitidamente antigermânicos, depreciadores daquilo que se chamava de alemão, considerando o povo alemão, inclusive, como um dos povos mais miscigenados. Por outro lado, defende a teoria da purificação da raça, da construção de uma raça forte, etc., articulado com a ideia de uma restauração da Europa através de uma raça superior. Segundo alguns estudiosos, Hitler teria incorporado alguns conceitos de acordo com seus interesses ou concepções já preestabelecidas. E isso é perfeitamente plausível, pois é o que se faz com Nietzsche o tempo todo, como já se comentou acima.

Enfim, aí estão alguns textos para sua apreciação.

Adotei como sistema para identificar o local da citação o número e/ou nome do aforismo e/ou do capítulo, em vez de numeração de páginas. As numerações e/ou títulos sublinhados antes das citações indicam o local do aforismo dentro da obra citada. Após as citações, indico a obra pelas iniciais como informado abaixo. Os negritos destacam os grifos registrados pelo próprio Nietzsche.

Para identificar os livros:

A = Aurora.

CI = Crepúsculo dos ídolos.

EH = Ecce Homo.

GC = A Gaia ciência.

HDH = Humano, demasiado humano.

NT = O nascimento da tragédia.

O A = O Anticristo.

PAMB = Para além do bem e do mal.

VS = O Viajante e sua sombra.

Z = Assim falava Zaratustra.


Vamos nessa, então.

AS MULHERES


Ele dizia que ainda seria considerado o maior psicólogo da alma feminina. Será?


Do amigo – A mulher ainda não é capaz da amizade. As mulheres continuam sendo gatas e aves ou, na melhor das hipóteses, vacas (Z).

Das mulheres jovens e velhas – Para a mulher, o homem não passa de um meio. O fim é sempre o filho (Z).

Das mulheres jovens e velhas – O homem deve ser educado para a guerra e a mulher para o prazer do guerreiro (Z).

Das mulheres jovens e velhas – A felicidade do homem se chama “Eu quero”. A felicidade da mulher se chama “Ele quer”. “Eis que o mundo acaba de se tornar perfeito!” – assim pensa toda mulher quando obedece de todo coração. (Z).

Das mulheres jovens e velhas – “Freqüentas as mulheres? Não te esqueças do açoite”. (Z).

Por que escrevo bons livros, 5 – A “emancipação da mulher” é o ódio instintivo da mulher fracassada, isto é, incapaz de procriar, contra a mulher completa [...] (EH).

O caso Wagner, 3 – Com os alemães, bem como em relação às mulheres, nunca é possível chegar ao fundo: não o possuem, eis tudo (EH).

144 – Quando uma mulher demonstra intenções eruditas é porque há algo de errado na sua sexualidade (PAMB).

145 – Comparando no seu conjunto homem e mulher pode dizer-se: a mulher não teria arte para se enfeitar se não pressentisse o papel secundário que desempenha (PAMB).

232 – A mulher tem tantas razões para ficar envergonhada! Há tanto pedantismo na mulher, tanta superficialidade, doutrinarismo, presunção mesquinha, pequenez desenfreada e imodesta. Preste atenção no seu convívio com as crianças! Até agora, só o medo ao homem refreou e reprimiu essas fraquezas. Ai de nós no dia em que o “eternamente aborrecido na mulher” – e ela é rica nisso – ouse aparecer! (PAMB)

232 – Que importa, à mulher, a verdade! Desde a origem, nada é mais estranho, mais avesso, mais odioso à mulher que a verdade. A sua grande arte é a mentira, o que mais lhe interessa é a aparência e a beleza. (PAMB)

232 – Pergunto por fim: alguma vez uma mulher concedeu profundidade a um cérebro de mulher, justiça a um coração de mulher? Não é verdade que, feitas as contas, a “mulher” foi, até agora, mais desprezada pela própria mulher. (PAMB)

234 – A estupidez na cozinha! A mulher como cozinheira! A horripilante insensatez com que cuida da alimentação da família e do dono da casa! A mulher não percebe o que comida significa e quer ser cozinheira! Se a mulher fosse um ser pensante, cozinhando já há milhares de anos, teria obviamente feito as melhores descobertas fisiológicas, e ter-se-ia tornado mestra na arte de curar! Devido às más cozinheiras, pela falta total de bom senso na cozinha é que foi mais retardada, mais prejudicada a evolução do homem (PAMB).

238 – Ele [o homem] tem de conceber a mulher como uma propriedade, como objeto que possa encerrar-se sob ferrolho, como algo predestinado à servidão e que só nela encontra a sua plenitude (PAMB).

239 – A “emancipação da mulher”, na medida em que é reivindicada e promovida pelas próprias mulheres (e não apenas por cretinos masculinos), resulta deste modo como um curioso sintoma do crescente enfraquecimento e embotamento dos instintos mais femininos (PAMB).

OS ALEMÃES


Embora sendo alemão, desprezava aquilo que se chamava a cultura alemã. De modo especial, criticava o estilo alemão de escrever, excetuando alguns poucos escritores como Goethe e Schopenhauer.


A saudação – “[Falar] Em alemão e claramente? Deus nos acuda” – disse então à parte o rei da esquerda. “Bem se vê que este sábio do oriente não conhece estes bons alemães! Quererá dizer “em alemão e sem nenhum tato” (Z).

Por que sou tão sagaz, 1 – O espírito alemão é uma indigestão, não chegando nunca ao fundo de alguma coisa (EH).

Por que sou tão sagaz, 2 – ... creio somente na cultura francesa; tudo aquilo que se chama de “cultura” na Europa e nos outros Continentes quer-me parecer um equívoco, isso para não falar da cultura alemã. (EH).

Por que sou tão sagaz, 2 – Até onde possa chegar, a Alemanha arruína a cultura (EH).

Por que sou tão sagaz, 5 – O que eu nunca poderei perdoar a Wagner? A sua condescendência para com os alemães, a sua adaptação a ponto de tornar-se um bom alemão. Por onde quer que passe, a Alemanha destrói a cultura (EH).

O caso Wagner, III – O “espírito alemão” é, para mim, ar viciado.... (EH).

O caso Wagner, III – Com os alemães, bem como em relação às mulheres, nunca é possível chegar ao fundo: não o possuem, eis tudo (EH).

O caso Wagner, III – Os alemães teriam produzido um só livro que fosse profundo? Falta-lhes até o conceito do que seja profundeza em um livro (EH).

O caso Wagner, IV – Falta aos alemães a convicção da própria vulgaridade – o que é o cúmulo da vulgaridade – não se envergonham nem mesmo de ser simples alemães. [...] Procuro inutilmente uma prova de tato, de delicadeza para comigo. De judeus, já as tive; de alemães ainda não (EH).

207 – Como se comportam os alemães diante da moral – alemão é capaz de grandes coisas, mas é pouco provável que as realize, pois ele obedece onde pode, como convém aos espíritos preguiçosos por natureza (A).

O que os alemães estão na iminência de perder – 2 – O que poderia ser o espírito alemão, quem já não fez sobre isso reflexões profundamente dolorosas! Mas esse povo se embruteceu à vontade desde aproximadamente mil anos: em nenhuma parte se abusou com mais depravação dos dois grandes narcóticos europeus, o álcool e o cristianismo (CI).



OS JUDEUS


Ele não era antissemita, embora se tenha tentado identificá-lo com esse racismo. Entretanto, apesar de reconhecer qualidades nos judeus, não deixa de acusá-los severamente de serem responsáveis pela decadência moral (na concepção nietzscheana, é claro) da Europa. E em algumas ocasiões, deixa escapar algumas posturas preconceituosas.


Diálogo com os reis, 1 – Declínio! Declínio! Nunca o mundo caiu tão baixo!

Roma se tornou prostituta e antro de prostitutas.

O César de Roma degenerou em besta. O próprio Deus se tornou judeu. (Z).

250 - que a Europa deve aos judeus? – Deve muito, de bom e de ruim. Deve ao mesmo tempo uma coisa que é das melhores e das piores: o grande estilo da moral, a terrível majestade de infinitas exigências, de infinitos significados, todo romantismo e todo caráter sublime das problemáticas morais [...] Nós, os artistas entre os espectadores e filósofos, sentimos por isso, para com os judeus – gratidão (PABM).

251 – Os judeus são, indubitavelmente, a raça mais forte, mais rija, mais pura que vive atualmente na Europa. Sabem impor-se mesmo nas piores condições [...] (PABM).

251 – Resta evidente que os judeus, se quisessem – ou, se fossem obrigados a tal, como os antissemitas o parecem querer -, poderiam ter desde já a preponderância e, muito literalmente, o domínio sobre a Europa. Igualmente seguro é que eles não o pretendem nem fazem projetos nesse sentido. Ao contrário, por enquanto querem e desejam, até com alguma insistência, ser integrados e absorvidos na Europa (PABM).

24 – Os judeus são, justamente por isso, o povo mais funesto da história universal: nos efeitos posteriores que exerceram, tornaram a humanidade falsa de tal forma que, hoje ainda, o cristianismo pode experimentar sentimentos antijudeus sem com isso se considerar como a última consequência do judaísmo. (O A)

44 – No cristianismo é todo o judaísmo que se manifesta na arte de mentir santamente, aprendizagem e técnica judaicas das mais sérias e seculares que chegaram ao auge da maestria. O cristão, essa ultima ratio da mentira, é o judeu repetido mais uma vez – repetido três vezes... (O A).

46 – Aceitaríamos a companhia dos “primeiros cristãos” da mesma forma que dificilmente aceitaríamos aquela dos judeus poloneses: não que tenhamos necessidade de lhes fazer objeções... Ambos não cheiram bem (O A 97).

140 – Demasiado judeu – Se Deus tivesse querido tornar-se um objeto de amor, deveria ter começado por renunciar a fazer justiça: - um juiz, mesmo clemente, não é objeto de amor. Para compreender isso, o fundador do cristianismo não tinha o senso bastante sutil – era judeu (GC).

348 – Da origem do sábio – [...] Num judeu, pelo contrário, levando-se em conta seu hábito nos negócios e pelo passado de seu povo, nada é menos habitual do que ser acreditado: isso se verifica nos sábios judeus – todos têm em alta consideração a lógica, isto é, a arte de forçar a aprovação por argumentos; sabem que a lógica os levará a vencer, embora tenham contra eles a repugnância de raça e de classe (GC).

361 – O problema do comediante – [...] Quanto aos judeus, esse povo da assimilação por excelência, se se seguir essa idéia, pode-se ver neles, de algum modo a priori, uma instituição histórica destinada à formação de comediantes, uma verdadeira sementeira de comediantes; e, com efeito, essa questão está agora realmente na ordem do dia: que bom ator de hoje não é o judeu? O judeu, como literato nato, como dono efetivo da imprensa européia, exerce seu poder graças a suas capacidades de comediante, pois o literato é essencialmente comediante [...] (GC).



AS RAÇAS


As ideias relativas à divisão da humanidade em raças e a necessidade de se buscar a depuração das raças, conforme as teses do conde Gobineau, constituía um pensamento comum, chegando a ser aceito como verdade científica, sobretudo no fim do século XIX e início do XX. Note-se que ele identifica essa mistura de raças em particular no povo alemão.


244 – Sendo um povo da mais monstruosa mistura e amálgama de raças, talvez até com uma preponderância de elementos pré-arianos, como “o povo do meio” em todos os sentidos, os alemães são mais incompreensíveis, mais complexos, mais contraditórios, mais desconhecidos, mais incalculáveis, mais surpreendentes, mesmo mais terríveis do que os outros povos são para si próprios (PABM).

272 – A purificação da raça – Não há provavelmente raças puras, mas somente raças depuradas e estas são extremamente raras. O que há de mais difundido são as raças mistas, nas quais, ao lado dos defeitos de harmonia nas formas corporais (por exemplo, quando os olhos e a boca não combinam) se encontra necessariamente forçosamente defeitos de harmonia nos hábitos e nos juízos de valor. [...] As raças mistas produzem sempre, ao mesmo tempo que culturas mistas, moralidades mistas: são geralmente mais maldosas, mais cruéis, mais instáveis. [...] as raças depuradas se tornaram sempre mais fortes e mais belas. – Os gregos nos oferecem o modelo de uma raça e de uma cultura assim depuradas: devemos esperar que a criação de uma raça e de uma cultura européias puras tenham igualmente êxito um dia (A).



O CRISTIANISMO


Como todos sabem, ele, de origem luterana, tornou-se ateu e forte crítico do cristianismo. O núcleo de sua crítica ao cristianismo consiste no fato de ela ser uma religião da compaixão, ou seja, que se põe dos lados dos fracos. Nessa linha, ele considera o cristianismo culpado pelas teses socialistas e democráticas. Sua condenação ao cristianismo também se refere ao aspecto de se constituir como uma renúncia à vida, à vontade de poder. Por essa razão, considera-o como uma postura niilista, uma decadência da humanidade. Faz comentários sarcásticos sobre Lutero e, em algumas ocasiões o acusa de ser o responsável por ter revitalizado a Igreja que teria morrido naturalmente.

Qualquer um pode observar que sua crítica à Igreja não é sobre suas falhas éticas ou institucionais. Pelo contrário, em muitos textos, o que ele exalta é precisamente aquilo que ela conserva em sua estrutura de superioridade de uma casta (o clero) em relação aos outros.


O caso Wagner, II – Lutero, este acidente fradesco, restabeleceu a Igreja e, o que é mil vezes pior, o cristianismo, a negação da vontade de viver tornada religião... Lutero, um frade impossível que de sua “impossibilidade” atacou a Igreja e consequentemente a restabeleceu (EH).

Por que sou uma fatalidade, 1 – [...] as religiões são coisas de gentalha: eu sinto necessidade de lavar as mãos depois de ter tocado um homem religioso... (EH).

Por que sou uma fatalidade, 7 – A moral cristã é a forma mais maligna da vontade da mentira, a verdadeira Circe da humanidade, aquela que foi causadora da ruína (EH).

46 - [...] crença de súdito fiel, ingênua e rabugenta, com a qual um Lutero, e um Cromwell ou qualquer outro bárbaro nórdico do espírito se dedicaram ao seu Deus ou ao cristianismo (PABM).

50 – A paixão por Deus: há a de tipo ignorante, sincero e importuno como a de Lutero (PABM).

52 – Este Novo Testamento, espécie de rococó do gosto, sob todos os aspectos, ter sido reunido com o Antigo Testamento num só livro a que se chamou Bíblia, “O Livro por excelência”, terá sido talvez o maior atrevimento, o maior ‘pecado contra o espírito’ que pesa na consciência da Europa literária (PABM).

20 – [...] o animal doméstico, o animal de rebanho, o homem animal doente – o cristão... (O A).

7 – Houve a ousadia de denominar a compaixão uma virtude (- em toda moral nobre, ela é vista como uma fraqueza-) (O A).

7 – Nada é mais insalubre, no meio de nossa insalubre modernidade, que a compaixão cristã (O A).

18 – A noção cristã de Deus – Deus como deus dos doentes, Deus como aranha, Deus como espírito – é uma das noções de Deus mais corruptas que jamais apareceram no mundo: representa até mesmo, na evolução descendente dos tipos de Deus, o nível mais baixo (O A).

20 – Ambos [cristianismo e budismo] se identificam como religiões niilistas – são religiões da decadência – mas se distinguem de uma forma notável. [...] O budismo é cem vezes mais realista que o cristianismo [...] (O A)

39 – A palavra “cristianismo” já é um mal-entendido – no fundo existiu um só cristão e ele morreu na cruz. O “Evangelho” morreu na cruz. O que, desde então, se chama “Evangelho” era já a antítese do que ele viveu: “má nova”, um Dysangelium (O A).

39 – Em todas as épocas, por exemplo, em Lutero, a “fé” nunca foi mais que uma capa, um pretexto, uma cortina por detrás da qual os instintos fazem seu jogo – uma astuciosa cegueira na dominação de certos instintos (O A).

39 – Não subestimemos, portanto, o cristão: o cristão, falso até na inocência, está muito acima do macaco – quando se considera o cristão, uma célebre teoria da origem das espécies se torna pura gentileza... (O A).

41 – O sacrifício expiatório, e em sua forma mais repugnante, mais bárbara, o sacrifício do inocente para os pecados dos culpados! Que paganismo apavorante! - O próprio Jesus havia eliminado a noção de “culpa” - negou qualquer abismo entre Deus e o homem, vivia essa unidade de Deus e do homem como sua “boa nova”... E não como um privilégio! (O A).

41 – Paulo conferiu um caráter lógico a essa concepção obscena com a insolência rabínica que o caracteriza sob todos os aspectos: “Se Cristo não ressuscitou dentre os mortos, então é vã toda a nossa fé”. E com um só golpe o Evangelho se converteu na mais desprezível de todas as promessas irrealizáveis, a impudente doutrina da imortalidade pessoal... O próprio Paulo a pregava ainda como uma recompensa!... (O A).

42 – De fato, essa é – como já demonstrei – a diferença fundamental entre as duas religiões da decadência: o budismo não promete nada, mas cumpre; o cristianismo promete tudo, mas não cumpre nada (O A).

43 – O cristianismo é uma sublevação de todas as criaturas rastejantes contra tudo o que é elevado: o Evangelho dos “humildes” rebaixa e humilha... (O A).

46 – Em vão perscrutei o Novo Testamento para nele encontrar um único traço de simpatia; não há nada que fosse franco, bondoso, sincero, leal (O A).

52 – [...] o cristianismo foi até agora a maior desgraça da humanidade (O A).

60 – O cristianismo e o álcool – os dois grandes meios de corrupção... (O A).

84 – A filologia do cristianismo – Pode-e constatar bastante bem como o cristianismo desenvolve pouco o sentido da probidade e da justiça, analisando os escritos dos seus sábios: estes apresentam suas suposições com tanta audácia como se fossem dogmas e a interpretação de uma passagem da Bíblia raramente os mergulha num embaraço leal. Incessantemente se pode ler: “Tenho razão porque está escrito”. [...] As deslealdades que são cometidas a esse respeito do alto dos púlpitos protestantes, a forma grosseira com que o pregador explora o fato de ninguém poder contestar, deforma e acomoda a Bíblia e inculca assim no povo, de todas as maneiras, a arte de ler mal [...] (A).

Ensaio de uma autocrítica – 5 – O cristianismo foi, desde o início, essencial e fundamentalmente, saciedade e tédio da vida pela vida, que se dissimulam, se disfarçam somente sob a fantasia de fé em “outra” vida, numa vida “melhor”. (NT).

128 – O valor da oração – A oração foi inventada pelos homens que nunca tiveram pensamentos próprios e que não conhecem ou deixam escapar sem perceber a elevação da alma: que fariam nos lugares santos e em todas as situações importantes da vida que exigem tranquilidade e uma espécie de dignidade? Para impedir pelo menos que incomodem, a sabedoria de todos os fundadores de religiões, grandes ou pequenos, recomendou a fórmula da oração, longo trabalho mecânico dos lábios, aliado a um esforço de memória e a uma posição uniformemente determinada das mãos, dos pés, dos olhos! (GC).

130 – Uma decisão perigosa – A decisão cristã de tornar o mundo feio e mau tornou o mundo feio e mau (GC).

132 – Contra o cristianismo – Agora não são mais os argumentos, é nosso gosto que decide contra o cristianismo (GC).

135 – Origem do pecado – O pecado, como é considerado hoje, em toda parte onde reina o cristianismo ou alguma vez reinou, o pecado é um sentimento judeu e uma invenção judia; é o pano de fundo de toda a moralidade cristã, e desse ponto de vista o cristianismo procurou “judaizar” o mundo inteiro (GC).

259- Ouvido no paraíso - “Bem e mal são preconceitos de Deus” - disse a serpente (GC).

358 – A sublevação camponesa do espírito – [...] Essa cidade em ruínas é a Igreja; vemos o mundo cristão abalado até seus fundamentos mais profundos, a fé em Deus arruinada, a fé no ideaL ascético cristão se entregando a seu último combate. [...] Negligencia-se hoje querer perceber como Lutero tinha a vista curta, como era mal dotado, superficial e imprudente, com relação a todas as questões do poder, antes de tudo porque era homem do povo, a quem toda herança de uma casta reinante, todo instinto de poder fazia falta: de tal modo que sua obra, que visava restaurar a obra de Roma, deu sem o saber o sinal da destruição. [...] “Cada um é seu próprio padre” - atrás de semelhantes fórmulas e de sua astúcia camponesa, dissimulava-se em Lutero o ódio profundo contra o “homem superior”, como o havia concebido a Igreja – ele destruiu um ideal que não tinha podido alcançar enquanto mantinha o ar de combater e abominar a degenerescência desse ideal. [...] O achatamento do espírito europeu, sobretudo no norte, seu adoçamento, se for o caso de preferir usar uma expressão moral, deu com a Reforma de Lutero um grande passo em frente, sem dúvida nenhuma [...] (GC).



DEMOCRACIA, SOCIALISMO, ANARQUISMO


Sua visão sobre democracia e sobre algumas propostas políticas marcadas pelo discurso igualitário é negativa. Ele é de fato antidemocrático e antissocialista. Seu antissocialismo, contudo, não pode ser confundido com o de outros, pois ataca precisamente o caráter “compassivo” e igualitário dessa doutrina.


202 – A moral é hoje na Europa uma moral de animal de rebanho. [...]. Tudo isso com o auxílio de uma religião que se sujeitava aos mais sublimes desejos do animal de rebanho lisonjeando-os,chegou ao ponto de encontrar, mesmo nas instituições políticas e sociais, uma expressão cada vez mais visível desta moral: o movimento democrático é o herdeiro do movimento cristão. [...] o ranger de dentes cada vez mais franco dos cães-anarquistas. Isso aparentemente em oposição aos democratas e ideólogos revolucionários pacificamente trabalhadores, em maior oposição aos filósofos cretinos e patetas e aos entusiastas da fraternidade que se intitulam socialistas e que querem a “sociedade livre”, mas que estão na realidade profunda e instintivamente contra toda forma de sociedade que não seja a do rebanho autônomo (indo até à negação dos conceitos de “senhor” e “servo” – ni dieu ni maitré, diz uma fórmula socialista). Agrupados numa resistência tenaz a toda pretensão individual, a todo direito particular e privilégio (o que, no fundo, significa resistência a todos os direitos, porque quando todos forem iguais, já ninguém precisa de “direitos”), unidos na desconfiança perante a justiça punitiva (como se esta fosse uma violência contra o mais fraco, uma injustiça para com a consequência necessária de toda a sociedade anterior), e igualmente unidos na religião da compaixão, da solidariedade onde quer se sinta, viva, sofra (descendo até ao animal, subindo até “Deus”: - o excesso de compaixão por “Deus” faz parte de uma época democrática) unidos todos no grito e na impaciência da compaixão, no ódio mortal ao sofrimento enquanto tal, na incapacidade quase feminina de poder presenciá-lo como espectador, de poder fazer sofrer; unidos no obscurecimento e no amolecimento involuntários sob cuja influência a Europa parece ameaçada de um novo budismo; unidos na sua fé na moral da compaixão comunitária, como se esta fosse a moral em si, o cume, o cume alcançado pelo homem, a única esperança do futuro, a consolação do presente, a grande remissão de todas as culpas de outrora; enfim, unidos todos eles na sua crença na comunidade como sendo a salvadora, no rebanho, portanto, a crença em “si”.... (PABM).

203 – Nós que acreditamos de outra forma, nós para quem o movimento democrático não é apenas uma forma de decadência da organização política, mas uma forma de decadência, quer dizer, de diminuição do homem, a sua mediocrização e desvalorização, para onde podemos dirigir nossas esperanças? (PABM).

43 – O veneno da doutrina: “igualdade de direito para todos” - foi o cristianismo que o disseminou por primeiro como princípio [...] (O A).

57 – A quem odeio mais entre a ralé de hoje? A ralé dos socialistas, os apóstolos chandalas que minam o instinto, o prazer, o sentimento de satisfação que o trabalhador tem na sua pequena existência – que o tornam invejoso, que lhe inculcam a vingança... A injustiça nunca está na desigualdade dos direitos, mas na reivindicação de direitos “iguais”. [...] O anarquista e o cristão têm a mesma origem (O A).

O que os alemães estão na iminência de perder – 5 – O que é que ocasiona o rebaixamento da cultura alemã? O fato da “educação superior” não ser mais um privilégio – o democratismo da cultura tornada obrigatória, comum. (CI).

276 – O direito do sufrágio universal – O povo não se deu a si mesmo o sufrágio universal; em toda parte onde ele está em vigor hoje, o povo o recebeu e o aceitou provisoriamente; de qualquer maneira, tem o direito de restituí-lo se não chegar a satisfazer a suas esperanças. Isso parece ser o caso agora em toda parte: se, por ocasião das eleições, apenas dois terços dos eleitores, e muitas nem a maioria, se apresentam às urnas, pode-se dizer que esse é um voto contra o sistema em seu conjunto (VS).

438 – Pedir a palavra – O caráter demagógico e a intenção de agir sobre as massas são atualmente comuns a todos os partidos políticos: todos eles se sentem obrigados, em virtude da mencionada intenção, a transformar seus princípios em grandes disparates de afresco e pintá-los assim nas paredes. Nesse ponto, nada mais se pode modificar e até é supérfluo levantar contra isso um só dedo, pois nessa matéria se aplica o que Voltaire dizia: “Quand la populace se mêle de raisonner, tout est perdu” (HDH).

377 – Nós, sem pátria – [...] O que elas [as sereias] cantam: “Igualdade de direitos!”, “Sociedade livre!”, “Nem senhores, nem escravos!”, isso não nos atrai! - na verdade, não achamos de forma alguma desejável que o reino da justiça chegue e que a paz seja instaurada na terra (porque esse reino seria forçosamente o reino da mediocracia e da chinesice) (GC 297). [...] Não somos humanitários; nunca nos permitiríamos falar de nosso “amor pela humanidade” - nós não somos suficientemente comediantes para isso! [...] Não gostamos da humanidade; mas, por outro lado, estamos bem longe de ser muito “alemães” - no sentido atual da palavra “alemão” - para podermos ser os porta-vozes do nacionalismo e do ódio das raças, para podermos nos regozijar com o males nacionais do coração e com o envenenamento do sangue, que fazem com que na Europa um povo levante barricadas contra o outro, como se uma quarentena os separasse. Nós, sem-pátria, somos múltiplos em demasia e muito misturados, em raça e origem, para fazer parte dos “homens modernos” e, por conseguinte, pouco tentados a participar dessa mentirosa autoidolatria racial que hoje se exibe impudicamente na Alemanha, à guisa de distintivo do lealismo germânico e parece duplamente falsa e inconveniente na pátria do “sentido histórico”. Somos, numa palavra – e que essa palavra seja nossa palavra de ordem! - bons europeus, os herdeiros da Europa [...] (GC).


CLASSE OPERÁRIA


Sua visão das lutas operárias vai na mesma linha das suas posições contra a democracia e o socialismo. O operariado parece, para Nietzsche, um decadente que aceita a condição inferior, desde que bem pago. Chega a desejar que a Europa se livre desse contingente – e soa estranha sua referência aos “chineses”. Aliás, em muitos de seus textos, a palavra “oriental” tem uma conotação pejorativa.



206 – A impossível classe – Pobre, alegre e independente! – estas qualidades podem estar reunidas numa única pessoa; pobre, alegre e escravo! – isso também é possível – e eu não poderia dizer nada de melhor aos operários escravos das fábricas: supondo que isso não lhes pareça em geral como uma vergonha de serem utilizados, quando isso ocorre, como o parafuso de uma máquina e de algum modo como tapa-buraco do espírito inventivo dos homens. Com os diabos acreditar que por um salário mais elevado, o que há de essencial em sua desgraça, isto é, sua subserviência impessoal, pudesse ser supressa [...] Este é o estado de espírito que conviria ter: os operários na Europa deveriam se considerar doravante como uma verdadeira impossibilidade como classe e não como algo de duramente condicionado e impropriamente organizado; deveriam suscitar uma época de grande enxame para fora da colméia européia, como nunca antes vista, e protestar por meio desse ato de liberdade de estabelecimento de um ato de grande estilo contra a máquina, o capital e a alternativa que os ameaça: dever escolher entre ser escravo do Estado ou escravo de um partido revolucionário. Pudesse a Europa livrar-se de um quarto de seus habitantes! Seria um alívio para ela e para eles. Pudesse a Europa livrar-se de um quarto de seus habitantes! Seria um alívio para ela e para eles [...] Talvez iríamos então introduzir chineses: e estes trariam a maneira de pensar e de viver que convêm às formiga trabalhadoras (A).

Passatempos inatuais – 40 – A questão operária. - É a estupidez, ou melhor, a degenerescência do instinto que é a causa de todas as asneiras que faz com que haja uma questão operária. (CI).