BURRA-VELHA
Olha só o que aconteceu com essa burra-velha ontem à noite – informou a senhora de curtos cabelos brancos entrando no salão. Não é que ligaram pra mim ontem de noite e quando fui atender era a voz do Rosaldo chorando e gritando: eles vão me matar, eles vão me matar, faz o que eles pedirem, eles me pegaram aqui na praia e querem dinheiro.. Imagina o susto que levei, menina. Àquela hora, meu filho mora em Niterói, em Ingá que é perto de praia, pensei logo: seqüestraram o Rosalvo, meu Deus, esses bandidos vão acabar com ele. Aí um seqüestrador, que se via pela voz que era mesmo cruel, ruim mesmo, já devia estar acostumado, pegou o telefone e falou: escuta, dona, vamos acabar com ele aqui mesmo, a senhora tem que arranjar vinte mil agora mesmo, se não ele morre. - Mas, moço, eu não tenho dinheiro, eu não tenho esse dinheiro. - Então, vou matar agora mesmo. - Pelo amor de Deus, moço, o senhor não faça isso, pelo amor de Deus. - Então quanto é que a senhora pode arranjar aí? - Mas eu não tenho nada, não tenho nem mil reais.
Eu pensando naquela confusão de pensamento atropelado: deve ser uma dessas quadrilhas do Rio que pegou meu filho e tá precisando de dinheiro pra comprar droga. E dizia: pelo amor de Deus, não mata meu filho. E ele ameaçava, com aquela voz de bandido que se vê que é ruim mesmo: a senhora quer ouvir ele morrendo agora mesmo? - Não, moço, pelo amor de Deus, deixa eu falar com ele. - Não vai falar com ele não, fala aqui com meu irmão.
Aí entrou o outro na linha, que parecia mais frio – e eu apavorada – e ele falou: escuta aí, tia, nós tamos só fazendo nosso serviço, nós temos que arranjar dinheiro pro patrão, se não quem se ferra é nós. (Veja só que coisa: ainda chama o chefe de patrão, como se isso fosse trabalho.) Aí ele perguntou: onde é que a senhora mora? E eu burra-velha não disse que morava aqui em Santa Mônica? Mas eu estava tão apavorada que não pensava em nada. E mais: quando ele perguntou quantas pessoas moravam em casa eu disse que era eu e minha mãe e que tinha uma empregada. E ele continuou: a senhora tem celular? E eu, burra-velha, disse que sim. - E qual o número dele? Você acredita que eu, burra-velha, disse o número do celular pra ele? - É de cartão? - Sim, senhor (e eu já tava chamando o bandido de senhor). - A senhora tem cartão aí? - Não, senhor, moço, eu tô sem cartão.
Mas aí eu comecei a me acalmar e a desconfiar que devia ter alguma coisa errada e comecei a falar que não tenho dinheiro, que moro numa casa pobre que sou sozinha perguntei pra ele se ele tinha família, ele disse que sim, aí eu disse: Mas, então, moço, o senhor imagina o que eu tô passando agora, o senhor ia gostar de ver alguém de sua família passando por isso? - Claro que não, ele falou. Então, moço, solta meu filho, não faz mal pra ele não.
O bandido ficou calado um tempo, parecia que tava conversando com o outro e aí disse: Ó, dona, pode ficar calma. A gente pegou o cara errado, a gente pensou que era filho de algum empresário, a gente vai soltar ele agora.
Aí eu disse: Muito obrigado, moço. Deus abençoe vocês. Veja só: ainda agradeci e abençoei. E Adivinha o que ele respondeu: fica com Deus, dona.
Agora eu fico pensando: eu sou uma burra-velha mesmo. Logo depois liguei pro meu filho que tava tranqüilo em casa assistindo o jogo do Vasco.
Viu? Não passo de uma burra-velha.