TODO CRISTÃO TEM DIREITO À CEIA DOMINICAL

 

 

INTRODUÇÃO

 

Constatando que muitas Igrejas, por diferentes razões, abandonaram a prática da celebração dominical da Ceia do Senhor, veio-me a inspiração de abordar essa questão, de um ponto de vista simples e sem dogmatismos.

Não importa que se chame de Missa, Eucaristia ou Ceia. O que quero defender é que todos os cristãos de todas as denominações têm o direito a essa refeição que Jesus determinou: “Fazei isto em memória de mim”. Assim como todo homem precisa e tem direito ao pão de cada dia, todo discípulo precisa e tem direito ao Pão do Céu.

Não discutirei aqui questões que têm importância, mas que não interessam no momento. Não tratarei da prática comum na Igreja Católica de oferecer a comunhão só sob a espécie de pão, embora a orientação oficial seja preferencialmente para a distribuição de pão e vinho; nem da prática de “guardar” as hóstias consagradas pela Igreja Católica ou de dissolvê-las como na Igreja Ortodoxa; nem do fato de muitas Igrejas usarem pão comum e outras o pão ázimo; nem da praxe de algumas oferecerem suco de uva no lugar de vinho.

Não entrarei na discussão sobre “transubstanciação” ou “consubstanciação” que, a meu ver, não tem mais sentido concreto, tendo em vista que o conceito de substância, hoje, é completamente diferente do conceito medieval e do início da Modernidade.

Mas falarei rapidamente da questão “memória/memorial” e da questão da “presença” de Cristo no pão e no vinho.

Enfim, considero grave deficiência uma comunidade cristã não celebrar a Ceia do Senhor e não propiciar aos seus membros a partilha do Pão e do Vinho da Ceia, ao menos no Dia do Senhor.

 

 

 

1 – UMA NOVA ALIANÇA

 

A Igreja não é uma sinagoga onde, além da Torá e dos Profetas[1], lê-se o evangelho. nem uma versão melhorada de Israel, embora, ao ver certos cultos fique a impressão de que estamos numa sinagoga e algumas comunidades pareçam conhecer e viver mais no Antigo Testamento que no Novo.

De fato, tenho a impressão de que muitos cristãos, embora falem sobre o poder redentor da Graça por meio de Jesus, ainda não se deram conta da novidade radical que representou a ação de Cristo: uma ruptura. Não é por acaso que Jesus a chama de NOVA E ETERNA ALIANÇA.

Ao dizer Nova Aliança, estamos dizendo que os estatutos, os procedimentos, os ritos e os mediadores da Antiga Aliança estão abolidos. Assim não têm mais razão de ser os antigos sacrifícios, o antigo sacerdócio e as antigas normas ou rituais.

Não me parece necessário apresentar citações bíblicas para fundamentar cada detalhe do que disse acima, embora sejam todas baseadas no Novo Testamento. Gostaria de esclarecer somente um texto que muitas igrejas gostam de usar para justificar seu apego a normas vétero-testamentárias. Trata-se de uma fala de Jesus no famoso Sermão da Montanha.

 

Mt 5,17-18: Não penseis que vim revogar a Lei e os Profetas. Não vim revogá-los, mas dar-lhes pleno cumprimento, porque em verdade vos digo que, até que passem o céu e a terra, não será omitido nem um só i, uma só vírgula até que tudo seja realizado.[2]

 

Esses versículos, vistos em si mesmos, afirmam que ele é apenas um continuador da “Lei e dos Profetas”, ou seja das Escrituras antigas tal como eram, o que é reforçado pela afirmação de que nem uma vírgula pode ser tirada. Parece, portanto, que o Antigo Testamento continua em pleno vigor, vindo Jesus apenas confirmar, cumprindo, tudo o que está escrito.

Esse entendimento, sem dúvida, muito alegrou aos fariseus e escribas conservadores ali presentes. Porém, logo a seguir, ele esclarece: “Com efeito, eu vos asseguro que se a vossa justiça não exceder a dos escribas e fariseus, não entrareis no Reino dos Céus” (Mt 5,20). Assim sendo, Jesus esclarece que, quando fala em cumprir a “Lei e os Profetas”, está querendo uma compreensão de “Lei e Profetas” muito diferente daquela compreensão “ao pé-da letra”  dos fariseus e escribas. Para Jesus, a “Lei e os Profetas” são a orientação para a JUSTIÇA, mas não no sentido estreito de cumprimento de regras e ritos.  (Lembremo-nos do amplo sentido da palavra “justiça” na Bíblia: verdade, respeito, fidelidade, santidade e, também, justiça, no sentido moderno).

E logo a seguir, quase como um contraponto à afirmação do “não vim abolir a Lei”, Jesus – o Cristo libertador – começa a desmontar o código jurídico de Moisés dizendo: “ouvistes o que foi dito aos antigos, eu porém vos digo...”. Muito já se falou sobre esse “eu porém” que revela a autoridade de Jesus, mostrando-o como superior a Moisés; que mostra que uma profunda mudança moral está sendo proposta por Jesus; que Jesus lança um desafio para o nascimento de novos homens. Ressalto, porém, seu sentido explicitamente revolucionário: a velha Aliança, a Aliança mosaica está superada. É hora da Nova Aliança, que será consolidada na Páscoa de Jesus.

Para confirmar isso, basta reler com atenção tantos textos das epístolas que acentuam a novidade que se instaura a partir da morte e ressurreição de Jesus, o sacrifício que sela a Nova Aliança.

 

 

2 – UM NOVO POVO

 

IGREJA É REUNIÃO[3].

O povo da Nova Aliança passa a se chamar IGREJA[4] exatamente porque é um povo que sempre se reúne a convite de Jesus e em torno de Jesus. Ou seja, seu traço distintivo não é habitar uma determinada região geográfica, um país, nem pela sua raça, nem pela sua cor, nem por alguma cultura particular. É apenas isso: pessoas que se reúnem em nome de Jesus. Não é, portanto, uma reunião política no sentido estrito do termo; não é uma reunião de ajuda mútua; não é uma reunião filantrópica ou assistencial; não é uma reunião de estudos; não é uma reunião de festa de aniversário.

É uma reunião de fé-compromisso em que estão presentes essas características:  partilha fraterna, compromisso transformador, refeição festiva. Por isso, houve um momento na história da Igreja em que essa reunião era chamada de Ágape[5], a ceia do amor.

Desde os seus primeiros dias, logo após a efusão do Espírito Santo em Pentecostes, os cristãos se reúnem.

Antes que houvesse qualquer palavra do Novo Testamento escrita, os cristãos (que só serão chamados assim quando o anúncio de Jesus chega a Antioquia) se reuniam. Em At 2,42-47, encontramos uma descrição importante da vida dos primeiros convertidos, cujas referências vale a pena destacarmos aqui. Fala-se em assiduidade, ou seja, em comportamento costumeiro e contínuo nas seguintes coisas:

  1. “ensinamentos dos apóstolos”: ouviam freqüentemente o que os apóstolos falavam a respeito de Jesus e como eles interpretavam as Escrituras à luz da Ressurreição;
  2. “comunhão fraterna”: viviam uma experiência concreta de fraternidade, de serem uma só família, com amor e respeito;
  3. “fração do pão”: a antiga prática judaica da refeição com bênção tornou-se, entre os cristãos, a refeição como Jesus fazia com os seus discípulos e que fora levada o clímax na última ceia antes de sua morte.[6]

Nos versículos 44-46, é explicitado como isso era feito: “Todos os que tinham abraçado a fé reuniam-se e punham tudo em comum: vendiam suas propriedades, e dividiam-nos entre todos, segundo as necessidades de cada um. Dia a após dia, unânimes, mostravam-se assíduos no Templo e partiam o pão pelas casas, tomando o alimento com alegria e simplicidade de coração”.

Note-se que é registrado que esses primeiros seguidores, residentes de Jerusalém, continuavam freqüentando o Templo, onde, aliás, anunciavam o Evangelho aos seus freqüentadores. Note-se também que não se volta a falar do “ensinamento dos apóstolos”.

A descrição concreta de duas características acima é importante:

“comunhão fraterna”: punham tudo em comum, vendiam seus bens e dividiam entre si;

“fração do pão”: vê-se que se trata de algo diferente da partilha dos bens, ou seja, é uma reunião nas casas dos fiéis, onde “partiam o pão, tomando o alimento com alegria e simplicidade de coração”, refere-se, pois, a uma refeição, mas não um simples almoço ou banquete costumeiro com protocolos e coisas chiques. Na verdade, fala apenas na partilha do pão que é um alimento que compartilham com alegria e simplicidade de coração. Sem dúvida, trata-se de uma celebração da Ceia do Senhor realizada nos lares, podendo haver ou não outros alimentos, mas em que o que importa mesmo é o pão. É digno nota o “dia após dia” que sugere que iam ao Templo e “partiam o pão” diariamente.

Fica evidente desses textos que a vida da Igreja se realiza e se sustenta não apenas da pregação dos apóstolos. Sua reunião não era somente para ouvir discursos e explicações sobre a fé em Jesus. Eles se reuniam para se alimentar do pão partilhado.

De onde teria surgido esse hábito na Igreja ainda recém-nascida, sem tradições, sem evangelhos ou epístolas?

Embora seja possível ligar a fração do pão à tradição judaica da bênção e partilha do pão – que ocorria não só na ceia pascal, mas em outras ocasiões – não há dúvida de que para ter adquirido uma importância tão grande entre os cristãos deve ter uma origem apostólica, ou seja, deve ter sido algo que os apóstolos repassaram para os convertidos, com algum significado especial.

Embora os evangelhos relatem a participação de Jesus e seus discípulos em banquetes, não contam como acontecia a refeição no momento em que se encontravam só eles. Deduzimos que eles conviviam no dia-a-dia, indo de uma aldeia a outra, dormindo ao relento ou na casa de algum amigo ou na de algum deles, caso estivessem em suas aldeias. Nesses quase três anos de caminhada e convivência, quantas vezes não terão almoçado ou jantado juntos? Mas isso não está escrito. Podemos imaginar que, quando eles iam fazer uma refeição, Jesus, como seu Mestre e Líder, devia realizar a bênção e iniciar a partilha do pão. Podemos imaginar que isso foi feito com uma freqüência significativa e que pode ter ficado gravado na memória daqueles discípulos que permaneciam junto dele. Mas não temos registro disso.

Contudo, o episódio dos discípulos de Emaús (Lc 24,13-32) parece ser um indício dessa situação. Esses discípulos caminharam ao lado do Cristo ressuscitado, ouviram suas explicações sobre as Escrituras, mas só o reconheceram neste momento: “tomou o pão, abençoou-o, depois partiu-o e distribuiu-o a eles” (Lc 24,30). Esse reconhecimento (re-conhecimento!) só seria possível se tais gestos estivessem registrados de modo muito particular em sua memória – algo singular, muito próprio do modo de Jesus abençoar, partir e distribuir. Muitos teólogos vêem aí uma construção teológica de Lucas para ensinar que se reencontra e re-conhece Jesus no rito da fração do pão. De qualquer modo, isso indica que a fração do pão era um evento prenhe de simbolismo na comunidade cristã primitiva.

A refeição de Jesus cujo registro possuímos é a chamada Última Ceia, que é, com certeza, um dos textos mais estudados do Novo Testamento. Tudo nessa cena da ceia já foi questionado: o dia em que teria acontecido (terça-feira ou quinta-feira); se era uma Ceia pascal ou não; quem estaria presente; se a bênção do cálice foi sobre o terceiro cálice como acontecia na Ceia pascal judaica; etc.

O fato é que os quatro relatos têm um roteiro comum, com algumas diferenças mais ou menos importantes conforme a análise de cada exegeta. Apresento aqui um esquema:

 

Mt 26,26-29

Mc 14,22-25

Lc 22,19-20

1Cor 11,23-25.

tomou o pão

tomou o pão

tomou o pão

tomou o pão

abençoou

(eulogêsas)

abençoou

(eulogêsas)

agradeceu

(eucharistêsas)

depois de dar graças

(eucharistêsas)

“Tomai e comei isto é meu corpo”

“Tomai isto é meu corpo”

“Isto é o meu corpo”

“Isto é o meu corpo”

 

 

“dado por vós”

“que é para vós”

 

 

“Fazei isto em minha memória”

“Fazei isto em memória de mim”

(anamnesyn)

 

 

 

Após a ceia

tomou o cálice

tomou o cálice

fez o mesmo com o cálice

tomou o cálice

agradeceu

agradeceu, deu-lhes e todos beberam

 

 

“Bebei dele, isto é”

“Isto é o”

“Este cálice é

“Este cálice é

“meu sangue, o sangue da aliança”

“meu sangue, o sangue da aliança”

a nova aliança em meu sangue”

a nova aliança em meu sangue”

 

 

 

“todas as vezes que dele beberdes, fazei-o em memória de mim”

“derramado por muitos”

“derramado em favor muitos”

“derramado em favor de vós”

 

“para a remissão dos pecados”

 

 

 

“até o dia em que convosco beberei o vinho novo no Reino do meu Pai”

“até o dia em que beberei o vinho novo no Reino de Deus”

 

 

 

 

 

 

 

Esse quadro mostra as diferenças que podem ser significativas. Faço algumas observações:

  1. Nota-se o paralelismo entre Mt e Mc, por um lado, e Lc e 1 Cor, por outro.
  2. Lembremos que 1 Cor é o texto mais antigo (57/58 d.C), mas já mostra um certo esquema ritual. O curioso é que Paulo começa dizendo que “eu mesmo recebi do Senhor, o que vos transmiti”. Como Paulo não conheceu Jesus vivo, como teria recebido do Senhor a não ser que fosse por uma revelação (o que ele diria) ou através do ensinamento que recebeu dos outros apóstolos que teriam lhe contado essa cena como algo recebido do Senhor. Seja lá como for, a Ceia seria algo “recebido do Senhor”, portanto de origem incontestável.
  3. Paulo acentua de forma ameaçadora o caráter sagrado dessa Ceia: “quem comer do pão ou beber do cálice do Senhor indignamente será réu do corpo e do sangue do Senhor” (1 Cor 11,27). Aliás, fortíssima mesmo essa ameaça.
  4. Os textos de Mt e Mc (escritos entre os ano 70 e 80 d.C) são considerados pelos especialistas os mais ritualizados, o que revela sua origem no uso litúrgico. Tanto assim que não contêm o mandado de “fazei isto em memória de mim”, constante em 1 Cor e Lc, que não precisavam ser ditos no momento em que a comunidade estava exatamente realizando aquele gesto.
  5. Mt e Mc lembram a dimensão escatológica da Ceia.

 

Enfim, os relatos da Ceia confirmam que os cristãos desde sempre a realizaram e o fizeram como uma celebração da Nova Aliança e com a consciência de que comiam e bebiam o corpo e o sangue do Senhor.

Podemos dizer que essa refeição celebrativa constituiu-se desde cedo no núcleo vital das comunidades cristãs que se reuniam para aprender mais sobre Jesus, à luz da Escrituras e do ensinamento dos apóstolos, para renovar sua fé e para comer o pão e beber o cálice do Senhor. A assiduidade nessas reuniões foi o que as tornou cada vez mais independentes das sinagogas e as distinguiu de Israel, o antigo povo de Deus. Foi nessas reuniões que os cristãos tomaram consciência e se constituíram como Novo Povo de Deus, nascido em razão de uma Nova Aliança selada com o corpo e o sangue do Senhor Jesus. Não tinham nenhum nome próprio para designar a si mesmo entre os povos, eram apenas a “EKKLESÍA”, a Reunião, a Assembléia, a Igreja.

 

 

3 – AS REUNIÕES SEMANAIS

 

Vimos que  At 2,42ss fala da assiduidade dos convertidos na fração do pão, sem dizer a periodicidade. Diariamente (como parece indicar o “dia após dia”? De três em três dias? Semanalmente? Tendemos a supor que, nesses começos mais entusiasmados, eles deviam se reunir mais de uma vez por semana.

Por outro lado, sabemos que não havia normas a esse respeito (como a respeito de nada que se referisse ao funcionamento da Igreja), considerando que viviam a expectativa da volta muito próxima de Cristo e da instauração definitiva do Reino de Deus. Portanto, suas assembléias eram espontaneamente combinadas para o dia em que fosse possível para todos ou para a maioria. A presença não era, obviamente, obrigatória. Sabemos também que, devido às origens judaicas dos primeiros membros e ao fato de que estes ainda respeitavam a Lei mosaica, não se reuniam aos sábados. Assim é que desde cedo criou-se o costume de reunião no primeiro dia da semana, que acabou se tornando um dia certo de encontro dos cristãos, sem prejuízo dos que pudessem se reunir em outros dias.

Encontramos uma referência disso na carta de Paulo quando trata da coleta para a comunidade de Jerusalém, que leva a crer que as comunidades costumavam se reunir no primeiro dia da semana. Diz ele: “... segui também vós as normas que estabeleci para as Igrejas da Galácia. No primeiro dia da semana, cada um de vós...”. Deduz-se que tanto as Igrejas da Galácia quanto a de Corinto reúnem-se habitualmente no primeiro dia da semana. Em Trôade, também vemos essa reunião: “No primeiro dia da semana, estando nós reunidos para a fração do pão ...” (At 20,7).

Além desses textos bíblicos, temos uma referência importantíssima na Didaquê[7] que se diz: “Reuni-vos no dia do Senhor para a fração do pão e agradecei (celebrai a eucaristia), depois de haverdes confessado vossos pecados, para que vosso sacrifício seja puro”.

Portanto, não há como negar a antigüidade dessa prática de celebrar a Ceia no dia do Senhor.

Assim, quando o imperador Constantino, em 321, decreta o feriado dominical nos serviços públicos, ele está apenas legitimando o dia da semana que os cristãos consideravam como o dia do Senhor.

Finalmente, esclareço que não estou defendendo aqui que as Igrejas devam celebrar a Ceia apenas no domingo. O importante é que se reconheça que a comunidade cristã tem o direito de participar da ceia ao menos uma vez por semana. É claro que, considerando a longa tradição cristã e a conveniência de uma universalização dessa celebração, parece-me que domingo seria o dia mais conveniente.

 

 

3 – QUEM PRESIDE A CEIA

 

No começo, ainda no período que é chamado de Era Apostólica, os cristãos se reuniam na casa de algum deles e realizavam a celebração. Os comentários e críticas que lemos em 1 Cor 11 a respeito da reunião dos coríntios nos dão uma idéia de como eram essas reuniões e dos problemas que podiam acontecer. Percebe-se que era uma reunião freqüente, que era uma refeição em que cada um trazia algo de casa para dividir e que continha o ritual da Ceia com a bênção/agradecimento sobre o pão e o vinho com a repetição da palavras de Jesus. Não há uma definição de quem preside, mas, normalmente, seria o chefe da família ou um dos presbíteros (anciãos) da comunidade, a não ser que houvesse algum apóstolo presente.

A partir do fim do século I, quando a Igreja começa a se organizar hierarquicamente, essas funções vão sendo concentradas nos bispos (epíscopos) e presbíteros que, mais adiante, serão equiparados aos sacerdotes. Entretanto, não dependia desses ministros para acontecer. Se em uma comunidade, não houvesse um sacerdote que pudesse presidir à celebração, um dos membros assumia a sua condução.

Há alguns textos antigos que valem a pena ser citados, considerando os muitos séculos de monopólio dos sacerdotes na presidência dessa celebração e a impossibilidade que há em muitas Igrejas, sobretudo na Igreja Católica, de celebrar a Ceia sem a presença do sacerdote.

Em Tertuliano (155-222), um dos grandes escritores da Igreja antiga, vemos:

 

Onde não existe um colégio de servidores incorporados ao ministério, tu, leigo, deves celebrar a eucaristia e batizar; nesse caso, tu és o próprio sacerdote, pois onde se encontram dois ou três se encontra a Igreja, no caso de serem três leigos.”

 

Clemente (Papa de 88 a 97) afirma que quem preside a eucaristia é o bispo ou presbítero, “ou também outras pessoas determinadas, com a aprovação de toda a comunidade”.

É fato que a Ceia era celebrada, mesmo na ausência dos ministros oficialmente responsáveis por sua presidência. A Ceia, portanto, se configurava como um direito real das comunidades, bastando a presença de alguns membros para que ela acontecesse.

 

 

4 – A CEIA NA ATUALIDADE

 

Hoje, após tantos séculos de divisões e subdivisões na Igreja, a tal ponto que são incontáveis as denominações cristãs e em que cada qual organiza sua vida eclesial a partir das interpretações particulares do que é importante ou não na Palavra de Deus, constata-se uma perda da consciência da centralidade da Ceia enquanto momento privilegiado de reunião dos cristãos.

Igreja é Reunião.

Assim vemos Igrejas que são Reuniões de Discursos, Pregações, Homilias, Palestras, Reuniões de Maravilhas, Reuniões de Êxtase, Reuniões de Ritualismos, Reuniões de Cura. E nessas reuniões canta-se, dança-se, grita-se, erguem-se as mãos, ajoelha-se, balbuciam-se estranhas falas, lê-se a Bíblia e muito se fala.

Raramente acontece a Ceia, a Fração do Pão(na expressão primitiva de Atos), a Eucaristia (na expressão da Didaquê).

Na Igreja Católica que tem um ritual mais rígido, apesar da maior liberdade após o Concílio Vaticano II, somente Bispos e Presbíteros (sacerdotes) podem presidir à Eucaristia. Desse modo, quando não há um sacerdote presente, não há Celebração Eucarística. Nessas situações o que há é um rito que, conforme a região, é chamado de Celebração da Palavra ou Culto. E, como a Igreja Católica guarda as hóstias consagradas, os seus membros podem comungar (comer do Pão consagrado), mesmo não havendo a Celebração Eucarística.

Na verdade, isso revela uma celebração incompleta, pois o momento da Bênção/Ação de Graças sobre o pão e o vinho (chamado de “consagração”) não ocorre, ou seja, não se repetem as palavras de Jesus da Última Ceia, que os textos bíblicos referidos acima nos indicaram como  núcleo da Ceia.

Assim sendo, muitas comunidades católicas pelo mundo afora não vivenciam esse momento essencial pela falta de sacerdote. Mesmo que se alegue que, de qualquer modo, os católicos não estão privados da Refeição, pois sempre podem comungar, isso não substitui um momento tão central como a Eucaristia enquanto tal (o “deu graças/abençoou”), que guarda todo simbolismo atualizador (e chamo a atenção para a força dessa expressão) do dom do Corpo e Sangue do Senhor.

A propósito desse aspecto, gostaria de apresentar um esclarecimento quanto à nomenclatura, embora essas questões sempre me pareçam secundárias.

O relato da instituição que deve ocorrer na Ceia, no momento em que o presidente da assembléia repete as palavras bíblicas “Na noite em que ia ser entregue, Jesus tomou o pão...”, chamarei aqui, com certa liberdade, de “Consagração” (como na Igreja Católica é usado), “Eucaristização” (como o diria Justino) ou “Anamnese” (memorial, embora esse termo indique também o momento do “comer”).

Em muitas Igrejas oriundas da Reforma, sobretudo suas subdivisões mais recentes, pentecostais ou não, a Celebração da Ceia está rarefeita. Algumas só o fazem uma vez por mês, outras o fazem ocasionalmente, reservando-a para momentos especiais. As causas disso podem ser várias, entre as quais, poderíamos elencar:

l        O esforço para revalorizar a Bíblia fez com que priorizassem em suas reuniões-assembléias a leitura e conhecimento das Escrituras.

l        Um certo escrúpulo quanto ao “comer do pão indignamente”, baseado no texto de Paulo, mas sob a influência calvinista que, inclusive, afetou o movimento católico chamado de jansenismo que pregava tal rigorismo que muitas pessoas não tinham coragem de comungar.

l        A oposição a tudo que parecesse de influência católica, no caso, o hábito de celebrar missa todos os dias e de comunhão diária que se tornou, em alguns casos, uma espécie de ritual mágico.

l        A oposição à concepção da Igreja Católica e da Ortodoxa quanto à “presença real” de Cristo no pão e vinho consagrados.

l        O entendimento da Ceia como um rito simplesmente rememorativo, apenas uma recordação, portanto sem um significado existencial para a Igreja.

 

O que se constata é que as Igrejas perderam, ao longo da história, o senso de serem “reuniões em torno da mesa” em que se compartilhava a Palavra, o Corpo do Senhor e o pão de cada dia. Reuniões que deixaram de ser o evento da ceia-ágape-eucaristia.

Entretanto, esse é um direito dos discípulos de Jesus e que não lhes pode ser negado.

Os cristãos católicos precisam encontrar um caminho para garantir que, mesmo na ausência de sacerdotes, a comunidade celebre a Eucaristia integralmente, sob a presidência de algum dos seus membros, como faziam as comunidades dos primeiros tempos. Não há nenhuma razão teológica que justifique esse monopólio do clero na condução da Ceia. Na verdade, essa é somente um problema de ordem jurídica na Igreja Católica, que pode ser perfeitamente sanado.

Além do mais, embora o Concílio Vaticano II tenha avançado significativamente na renovação da liturgia católica, observo hoje uma certa tendência de retrocesso, com uma retomada excessiva do sacralismo e de um ritualismo exagerado. Creio que se deve avançar na direção de uma celebração eucarística mais participativa, em que todos se sintam convivas de uma Ceia e não tímidos assistentes de um rito sagrado ou escrupulosos cumpridores de um mandamento.

Os cristãos descendentes da Reforma Luterana e suas derivações posteriores devem reavaliar sua concepção e sua prática com relação à Ceia do Senhor. E, quanto a estes, limito-me a questionar a razão por que não a celebram semanalmente. Eles verão como suas comunidades se fortalecerão espiritualmente com essa Refeição.

 

 

5 – EUCARISTIA COMO MEMÓRIA

 

Acima, usei diversas vezes o termo “Eucaristia”. Antes de prosseguir, vou esclarecer um pouco a razão do emprego dessa palavra, pois li, há algum tempo, uma crítica – entre irônica e agressiva – numa revista “evangélica” quanto a esse termo.

Nos relatos neo-testamentários da última ceia (esquematizados acima), ocorre sempre o verbo “eucharistein”, que significa “agradecer, dar graças, render graças”, assim como “Muito obrigado” em grego diz-se “Eucharistô”. Observe que, em Mt e Mc, o agradecimento se dá quando Jesus toma o cálice. Por outro lado, em Lc e 1 Cor, encontramos o agradecimento no momento em que Jesus pega o pão. Lc, ao contar o momento do cálice, escreve: “fez o mesmo com o cálice”, o que quer dizer que, como tinha feito com o pão, “o tomou em suas mãos e agradeceu”.

Quanto ao verbo “abençoar”, ele aparece em Mt e Mc como bênção sobre o pão, provavelmente com a conotação da bênção ascendente que consiste num louvor e num agradecimento a Deus.

Parece, pois, ter sido natural que a Ceia fosse designada alternativamente como Eucaristia – Ação  de Graças – como o fez a Didaquê, citada acima, que a chama de “fração do pão e agradecimento (eucaristia)”.

Entrando agora no tema deste capítulo, explico por que achei importante incluí-lo. Várias vezes, ouvi cristãos de diversas denominações afirmando que a Ceia era só uma memória, apenas um memorial. Por isso, pareceu-me conveniente esclarecer essa questão.

Os textos de 1 Cor e de Lc (que é caudatário de 1 Cor) são os que citam o dito “fazei isto em memória de mim”. Já foi comentado acima que Mt e Mc não o repetiram devido a seu estilo mais ritualizado.

Sabe-se que o texto mais antigo é o de Paulo (1 Cor), devendo guardar, pois, a forma mais primitiva em uso nas comunidades, supondo-se sua origem no próprio Jesus.

Na cultura racionalizada – a despeito de todas as questões levantadas pela Psicanálise –, o conceito de memória tem sido limitado por uma concepção mecânica e bancária (no sentido que se usa na Pedagogia de “conservação de informações”). A memória, portanto, é vista como um espaço onde ficam as lembranças das coisas passadas, as coisas que foram decoradas. No caso de eventos que não foram vivenciadas pelas pessoas, a memória é uma recordação de um fato passado, como quando se recorda que, no dia 21 de abril, Tiradentes morreu enforcado pela liberdade do Brasil. Ao que parece, muitos consideram que a repetição da Ceia é apenas uma lembrança do que fez Jesus.

Sem entrar na discussão de todas as implicações que a memória possui e que são objeto de estudo tanto na Filosofia, quanto na Psicologia e Antropologia, vamos nos ater à dimensão que ela tinha no contexto bíblico e o que significava para a Igreja em seus primórdios.

A memória, na Antigüidade, possuía um valor muito mais determinante que nos dias de hoje. Embora, ainda se considere fundamental ter uma boa memória, que poderá ajudar em todo aprendizado tanto escolar quanto vivencial, não se compara com a essencialidade que ela tinha no passado, em que todas as informações deviam ser guardadas na memória, tratando-se de uma sociedade em que tudo funcionava à base da tradição oral.

Na mitologia grega, a Memória, filha de Urano (Céu) e Gaia (Terra), era a mãe das nove musas, que eram as deusas da Poesia, Música, História, Dança, etc. Percebe-se daí a importância que tinha a memória para aquele povo.

No mundo semita, também a memória era essencial, constituindo ela a fonte primeira de preservação da identidade cultural e religiosa do povo, através da transmissão oral de suas origens. No mundo judaico, memória significava tornar presente um evento passado. De modo particular, isso se refere à celebração pascal em que as famílias reunidas celebravam a memória da libertação do Egito.

A palavra grega empregada nos textos paulino e lucano é “anamnese”, que é muito empregada atualmente no Medicina no sentido de recuperar o histórico de doenças de um paciente e de sua família. Contudo, o termo “anamnese” traduz, nos textos bíblicos, a prática judaica de revivenciar a experiência da libertação do Egito. De fato, consistia numa cerimônia que queria tornar atual e atuante a experiência da ação libertadora de Javé.

Por essa razão, as famílias, para celebrar Ceia Pascal, usavam trajes como se fossem partir imediatamente, usavam os alimentos que seriam os que hebreus teriam comido, às pressas, na noite anterior à fuga. Essa a razão das ervas amargas. O mesmo motivo explica a razão de ser apenas um cordeiro por família ou por grupo de famílias, caso uma só não conseguisse consumi-lo todo e do pão ázimo. A exortação do presidente dessa celebração era no sentido de que cada participante se sentisse como se houvesse saído do Egito.[8]

Enfim, é nesse contexto cultural que se dá a última ceia e é no seio dele que se consolida o ritual da Fração do Pão. Assim sendo, a anamnese não consistia apenas numa lembrança histórica do que aconteceu a Jesus, mas num tornar atual o evento salvífico a que ela se refere. Desse modo, a participação na Ceia tornou-se o referencial de encontro dos cristãos, sendo o eixo de suas reuniões.

Portanto, a Eucaristia é um tornar atual o sacrifício que selou a Nova Aliança e é neste sentido que se pode dizer que, ao celebrar a Ceia, a Igreja está renovando de forma incruenta o sacrifício de Cristo.

Muitas discussões têm surgido entre teólogos e, principalmente, entre os líderes das denominações cristãs sobre como cada qual compreende o que disse acima. Não me interessa entrar nessas questões, embora admita sua relevância. Centro-me no que quero demonstrar: a Ceia era o Alimento da Igreja, enquanto Igreja, isto é, enquanto comunidade de fé e amor e enquanto Corpo de Cristo. Não era apenas uma refeição festiva e não era apenas para lembrar acontecimentos passados.

A Igreja contemporânea deve recuperar esse sentido e garantir a todos os cristãos o direito de receber esse alimento.

 

 

6 – O CORPO DE CRISTO

 

Esse é outro tema árduo e objeto de acirradas e seculares disputas. Não pretendo aprofundar o mérito de tantas divergências que há em torno disso. Apresento apenas aquilo que pode somar para a tese que estou defendendo.

Os relatos da Ceia trazem a afirmação explícita e direta de Jesus: “Isto é o meu corpo; isto é o meu sangue”.

É evidente que os que estavam presentes naquela Ceia não interpretaram isso de forma literal, assim como sequer pensaram no alcance de tudo o que estava acontecendo ali, na frente deles, naquela noite. Nem mesmo suspeitavam que dali a pouco Jesus estaria preso, morto, ao final, ressurrecto.

Da mesma forma como aconteceu com tudo o que se referia a Jesus, com suas palavras e os fatos de sua vida, esse gesto da última ceia só foi devidamente assimilado e pensado após a ressurreição pela ação do Espírito Santo.

O fato é que Jesus poderia ter dito ou os evangelistas poderiam ter escrito, ao invés do verbo “ser”, o verbo “representar” ou “significar”, se quisermos discutir a questão da interpretação  literal do texto.

Em aramaico, provavelmente essa forma do verbo ser (“É”) não teria sido dita. Jesus teria dito: “Isto, meu corpo”; “Este cálice, meu sangue”. Aliás, tanto em português quanto em grego (a língua dos evangelhos) essa forma seria possível. Entretanto, por mais metaforicamente que se interprete esse dito de Jesus, ele contém uma carga existencial tão grande que marcou decisivamente a Igreja desde o começo.

De qualquer modo, esse texto remete para um outro que é muito mais radical: Jo 6,32-58.

Esse é o famoso discurso, proferido na sinagoga de Cafarnaum, na ocasião em que as pessoas procuravam Jesus após a multiplicação dos pães. Ele, sabedor de que as pessoas iam a seu encontro em busca de solução de seus problemas imediatos (no caso, alimento gratuito) explica que o Pai é quem dá o verdadeiro pão do céu, que é o próprio Jesus. Esta frase é tão forte e chocante que muitos se escandalizam e vão embora:

 

Em verdade, em verdade, vos digo: se não comerdes a carne do Filho do Homem e não beberdes o seu sangue, não tereis a vida em vós. Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem vida eterna, e eu o ressuscitarei no último dia. Pois a minha carne é verdadeiramente comida e o meu sangue é verdadeiramente bebida (Jo 6,53-55).

 

Os especialistas concordam que o evangelho segundo João é escrito sob os signos da água, do pão e do vinho, consistindo numa reflexão sobre os mistérios do Batismo e da Ceia. Aliás, muito já se especulou sobre a razão por que João não apresentou um relato da Ceia. Também quanto ao Batismo, não se encontra nenhum comando de Jesus nesse sentido no evangelho segundo João. No entanto, esse evangelho retrata a reflexão que se desenvolvia na Igreja a respeito do significado desses dois momentos comunitários essenciais.

O discurso registrado em Jo 6 nos mostra a convicção de que Jesus é o pão do céu. E onde mais isso poderia ser vivenciado a não ser na celebração da Ceia?

De qualquer modo, não resta dúvida de que a Igreja primitiva cria que o pão eucaristizado (como gostava de dizer Justino – de 100 a 165 dC) era o Corpo de Cristo. A questão não era  metafísica ou ontológica. Não se discutiam problemas como a essência ou a substância do pão.. Era uma experiência radicalmente existencial de união com Cristo, e que tinha um caráter diferenciado em relação aos muitos outros momentos em que se podia experimentar a presença de Jesus.

Como já informei antes, não entrarei nas discussões filosóficas e teológicas em torno do modo de interpretação da presença de Cristo no pão e no vinho. O que quero ressaltar – e que é o essencial – é  que os cristãos sempre creram que comer do pão e do vinho é alimentar-se do Corpo e do Sangue do Senhor. E esse alimento os sustentava na fidelidade a Cristo.

Enfim, a Igreja – e reconheço como Igreja todas as comunidades que reconhecem Jesus como o Cristo e Filho do Deus vivo – deve recuperar essa dimensão de comensalidade, quer dizer, de convívio à mesma mesa.

Pois todo discípulo de Jesus está convidado a participar de sua Ceia neste mundo, até que ele venha prover o Banquete do Reino.

 

 

7 – CONCLUSÃO

 

Insisto no ponto que me interessa: todo cristão tem direito à Ceia do Senhor no Dia do Senhor.

Algumas implicações disso:

 

  1. Todo domingo, todas as comunidades devem reunir-se para banquetear-se da Ceia do Senhor
  2. A celebração da Ceia deve ter sempre a Consagração/Eucaristização/Anamnese, não será apenas para ouvir a Palavra de Deus e as pregações dos ministros.
  3. O pão e o vinho devem ser comido e bebido por todos os batizados presentes.
  4. Qualquer membro respeitável da comunidade deve ser autorizado a presidir a Ceia do Senhor, na ausência de presbíteros, bispos ou pastores, não apenas distribuindo a comunhão (como na Igreja Católica), mas repetindo as palavras da consagração: “Isto é meu corpo”, “Este é o cálice do meu sangue”.


[1]    Torá e Profetas = “a Lei e os Profetas”: é a “Bíblia” na fórmula judaica antiga, referindo-se ao Pentateuco e aos chamados livros históricos e proféticos da Bíblia cristã. Além desses, era aceito pelos fariseus um conjunto chamado de “Escritos”, do qual constava Daniel, por exemplo.

[2]    Aqui utilizo a tradução da Bíblia de Jerusalém: Ed. Paulus, Nova edição, revista, 3ª impressão de setembro de 1994.

[3]    Etimologicamente, a palavra grega ekklesía, que é usada na versão grega dos Setenta (LXX) para traduzir o termo hebraico qahal, significa assembléia, reunião (no sentido político mesmo) indicando no AT a assembléia convocada por Deus.

[4]    Lembro que encontramos em Atos a referência aos primeiros cristãos como os seguidores do “Caminho”.

[5]    A palavra grega “ágape”, empregada pelos cristãos no sentido de amor, é usada em 1 Cor 13. Em Mt 22,37-41 (“Amai a Deus de todo coração ... Amai o próximo”) o verbo é “agapai”. Em 1 Jo 4,8 está dito: “Deus é amor (ágape)”. Essa palavra passou a indicar a refeição que os cristãos realizavam e que tinha o sentido de confraternização e partilha, em que não havia ricos e pobres, todos traziam o que podiam e compartilhavam. Esse ágape visava ajudar os necessitados. Era antes ou depois da celebração da Ceia. Assim é que se passou também a chamar a Ceia de Ágape. Há ainda muitas questões em que os estudiosos divergem, mas que não nos cabem discutir agora. É certo que a Ceia foi durante um tempo chamada de Ágape.

[6]    Tomarei a liberdade de usar essa fórmula - “fração do pão” - como forma alternativa aos termos “Ceia” e “Eucaristia”, indicando esse conjunto ritual de dar graças, abençoar, partir e distribuir o pão. Vários exegetas não vêem nessa fração a renovação do que Jesus mandou fazer na última Ceia, mas apenas uma refeição partilhada com a bênção. Não me parece que se daria tanta ênfase no “partir o pão” para se referir apenas ao fato de que as pessoas costumavam comer juntas. Usarei também a palavra “Eucaristia” que é um termo muito antigo usado para se referir a essa celebração, tendo em vista o “dar graças (eucharistein) pelo pão e pelo vinho”.

[7]    A Didaquê, também chamada “Instrução dos Doze Apóstolos” é um antiqüíssimo documento (do final do século I ou início do II) contendo orientações simples para os cristãos.

[8]              Para uma visão breve sobre a Ceia Pascal judaica, sugiro ler a História da Eucaristia neste sítio.